Vamos fazer uma citação de um livro de Cristina Grof, mas, antes, uma introdução nunca é demais. Aparentemente o referencial de Cristina Grof sobre a dependência de substâncias psicoativas é muito próximo ao do junguiano Luigi Zoja. Ambos vêem por trás da dependência uma espécie de tentativa de transcendência e encontro do Self (para usar o termo junguiano) ou, dito em termos teológicos, o encontro com Deus.
Zoja segue mais a linha argumentativa da dependência como uma iniciação que falhou, por N questões que aborda em seu livro, seguindo bem de perto tanto Jung quanto Mircea Eliade e finalmente a psicanalista Melanie Klein. A Dra. Grof, por seu lado, também vê na dependência um problema, e encontra-se também perto do referencial junguiano, e mais focada na psicologia transpessoal e no referencial do A.A (alcoólicos anônimos). Neste sentido, há muito de criticável também na abordagem de Cristina Grof, desde a terminologia como “viciado” (que tanto contribui para o preconceito e a desresponsabilização dos, assim chamados, dependentes químicos) até o modelo adotado pelo A.A que foi um dos modelos base da medicalização dos usuários de substâncias psicoativas como doentes e mecanismo utilizado pelo Estado como forma de controle de amplas faixas populacionais. Tal modelo também adota/favorece a idéia de doença crônica e progressiva, portanto incurável, a não ser pela completa abstinência, sendo, neste caso, o usuário mero objeto da entidade “dependência”.
Por outro lado, não cabe desconsiderar o enorme serviço dos AA´s e NA´s do mundo para melhorar a vida de muita gente, e sem dúvida a criação de fortes vínculos humanos, de forma, talvez, menos verticalizada que a relação médico-paciente. Também não dá para descartar a perspectiva de Cristina Grof e Luigi Zoja, ambos os autores bebendo da fonte das Cartas de Jung ao criador do AA, Bill Wilson, sobre a ânsia espiritual por trás da dependência. Realmente, após trabalhar num centro de atenção psicossocial para tratamento de usos indevidos de álcool e outras drogas, é comum encontrar tal ânsia de contato direto com o numinoso como forma de afastar-se de uma espécie de vazio. Mas não vamos nos prolongar sobre isto agora. Vamos a uma bela passagem do livro “Sede de Plenitude” de Cristina Grof.
A “nossa sede de totalidade... a união com Deus”, como Jung a chamou, é um ímpeto fundamental que há dentro de nós e possui um enorme poder nas nossas vidas. O impulso para conhecer as nossas verdadeiras personalidades leva a um tipo de descontentamento divino dentro de nós.
Em seu livro The Natural Mind (A Mente Natural), o medico Andrew Weil fala sobre a necessidade humana de alterar a consciência. Ele afirma: “Acredito que o desejo de alterar periodicamente a consciência seja um impulso inato e normal, análogo a fome ou ao impulso sexual.” E descreve as atividades de crianças que fazem experiências com estados não-ordinários, girando até cair de tontura, fazendo com que um amiguinho as aperte até que desmaiem ou prendendo a respiração até que se sintam tontas ou percam os sentidos. Acredito que essa profunda necessidade de mudar a consciência reflita o nosso desejo natural de transcender a identidade egóica e experimentar uma noção maior da personalidade.
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