sábado, 12 de fevereiro de 2011

Cacto São Pedro ou Achuma: História e Repressão


Diretamente do Hempadão 

Continuemos na nossa onda falando sobre os usos tradicionais dos enteógenos?
- Sim, capitão (O coro)

Caso não haja alma viva em desacordo, nosso papo de hoje será sobre o Achuma ou cacto São Pedro. O cacto São Pedro[1] ou Wachuma,Echinopsis pachanoi (ou Trichocereus pachanoi)[2], é um cacto que contém como princípio ativo a mescalina[3] e tem um uso tradicional especialmente na América do Sul.




O uso do cacto foi bastante tradicional, de acordo com Richard Evans Schultes e Albert Hoffman (2000) em “Plantas de los dioses” o São Pedro foi: “uma das plantas mágicas mais antigas da América do Sul”, com provas arqueológicas do seu significado para as culturas no norte do Peru de 1.300 a.C. Na mesma obra, Schultes et al (2000, p.166) começam uma introdução sobre a planta com a seguinte citação:




"São Pedro possui um simbolismo especial no curandeirismo, já que o São Pedro sempre está em harmonia com os poderes dos animais, dos seres ou personagens fortes, dos seres verdadeiros, dos seres sobrenaturais."

Algumas peças de “cerâmica peruana, dos anos 1.000 a 700 a.C, mostram a planta relacionada ao cervo, e outras, vários séculos depois, ao cacto e ao jaguar com espirais estilizadas” (op.cit) ilustrando experiências enteodélicas induzidas pela planta.

Com a chegada dos espanhóis na América do Sul o consumo do Echinopsis pachanoi, que estava bastante estendido, foi logo alvo da abordagem cristã. Um escrito eclesiástico dizia que os xamãs: “tomavam ‘achuma’, uma água que preparam com a seiva de uns cactos delgados e lisos” e “como é muito forte, depois de tomá-la perdem o juízo, caem privados dos sentidos e têm visões nas quais os aparece o diabo” (Schultes, 2000, p.166).

O nome São Pedro é mais recente e tem a ver com a utilização “mestiça desta planta, que se desenvolveu nos últimos 200, 300 anos” (Henman apud Labate, p.61)[4]. As práticas mais recentes, portanto, procuraram legitimar seu uso através do recurso de aproximar suas práticas do cristianismo, daí o nome São Pedro, assim como aconteceu também com os ritos peioteiros na América do Norte, como é o caso da Native American Church (Igreja Nativo Americana). Além do cristianismo, novas práticas foram re-trabalhadas a partir “de conceitos mágicos esotéricos do Mediterrâneo, os quais, por sua vez, incorporavam elementos árabes, clássicos, pagãos, cabalísticos, etc” (Henman apud Labate, 2004, p.67).

BrugmansiaÉ possível que nos usos tradicionais doWachuma houvesse usos de outras plantas. Dentre estes, é possível citar o uso de plantas não psicoativas, assim como plantas da família das Solanaceascomo é o caso de espécies deBrugmansia, que podem produzir efeitos psíquicos bastante pronunciados, perda da memória e possuem tropano, sendo, portanto, bastante perigosas para a saúde do usuário (ainda mais de não iniciados). De acordo com Henman (apud Labate, 2004, p.5):

"Na tradição do norte do Peru os curandeiros usam plantas chamadas michas, que eles dizem aumentar o poder da bebida. Servem para “seguir o rastro” (“rastrear” em espanhol), quer dizer, seguir uma pista para o tratamento de doenças provocadas por causas mágicas."

Além da Brugmansia o arqueólogo Richard Buger, da Universidade de Yale, assim como Henman, acredita que no momento de maior intensidade dos ritos tradicionais eles cheiravam uma dose de paricá, isto é, um pó preparado das sementes da Anadenanthera peregrina (Henman apud Labate, 2004). Desta forma, nos usos tradicionais se fortaleceriam efeitos visuais intensificados provocados mais pela conjunção “São Pedro – Paricá” ou, de seus princípios ativos, “Mescalina – DMT (Dimetiltriptamina)”, do que pelo uso isolado de ambos.

Diferente de outros enteodélicos, como os cogumelos pslocíbicos, ayahuasca, peiote, etc., o São Pedro não encontra hoje um uso que persiste de tradições indígenas. Seu uso se deve “apenas a vertente mestiça”. Na visão de Henman (apud Labate, 2004, p.):

"Comparado ao consumo da ayahuasca, do paricá, do peiote ou dos cogumelos, o número de pessoas que participam hoje dos rituais com o São Pedro é muito maior. O cacto é usado literalmente por dezenas de milhares, se não por centenas de milhares de pessoas, enquanto os demais cultos com plantas alucinógenas permaneceram ligados a contextos indígenas relativamente restritos em termos numéricos. Por isso, é curioso que a literatura sobre o uso do São Pedro seja tão limitada em comparação com a da ayahuasca."


[1] - Seu nome tradicional é Achuma ou Wachuma, e foi chamado de São Pedro com claras influencias cristãs, um modo comum ao longo dos séculos de fugir da repressão. Coisa similar aconteceu em relação ao peiote e a seus cultos, hoje com enorme sincretismo religioso.
[2] - De acordo com o pesquisador Anthony Henman “O São Pedro compreende várias espécies de um gênero que antigamente era chamado Trichocereus e agora foi reunido dentro do gênero Echinopsis” (Henman apud Labate, 2004, p.61).
[3] - Dentro do gênero Echinopsis existe uma variedade que ao invés de mescalina contêm DMT. A espécie é conhecida como Trichocereus (ou Echinopsis)terschekii (Escohotado, 1989)
[4] - LABATE, Beatriz Caiuby. Uma antropologia que floresce fora da academia:Anthony Henman e el cactus San Pedro. Revista de Estudos da Religião. No 1, 2004.

0 comentários:

Postar um comentário