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por Fernando Beserra
O presente capítulo faz parte do clássico livro “As plantas dos deuses” de autores do cacife de Richard Evans Schultes e Albert Hoffman. Muitas informações nele contidas foram trabalhadas posteriormente e exploradas por psiconautas do mundo inteiro. Graças a estes estudos, dos análogos da ayahuasca, muitas pessoas fora dos países sul-americanos puderam ter acesso a experiências enteogênicas com Anahuasca, com plantas que levam a experiências similares a tradicional mistura “amazônica”.No atual contexto, isso é muito importante, tanto para estas pessoas, como para evitar um “turismo desmesurado da ayahuasca” e que poderia ocasionar que conservadores de plantão visassem proibir o sacramento de tantos.
Não preciso dizer muito. As contribuições dos autores falam por si só, e nos levam a enxergar, além das variações que podem ser utilizadas para fazer o chá enteogênico, a profunda percepção dos autores, em direção a auto-transcendência e ao encontro com a verdadeira religião, o religare, a importância na vida humana do contato imediato com o divino, isto é, não mediado por padres ou autoridades ctónicas.
O psicólogo ucraniano Wilhelm Reich, já na década de 1930, nos alertava para a importância dos “nós psicossomáticos”, que ele chamava de couraças, somáticas ou caracteriológicas, na contribuição ao autoritarismo social e, finalmente, as ditaduras. Estas couraças seriam formações históricas, relacionadas a vida de cada um e as intervenções dos adultos, especialmente os pais, sobre as crianças. No mesmo livro do subcapítulo de nossa tradução, Hoffman e Schultes, tratam deste assunto e consideram os enteógenos como ferramentas promissoras para a superação destes nós e de complexos psíquicos. Em última análise, se de forma bem orientada e administrada, é possível que os enteógenos, além de contribuírem para a superação de conflitos de natureza pessoal, possam contribuir para a democracia social, que, em sua essência, em nada tem haver com os resíduos que chamamos de democracia.
Especificamente sobre a anahuasca o texto é introdutório. Para os que pretendem se aventurar na busca de si, é fundamental a leitura de fóruns e outros textos para calcular e se proteger com precisão, já que uma má preparação pode ser perigosa. ‘Recentemente’ um turista veio a ficar em coma no Amazonas tentando fazer seu próprio chá. Embora saibamos, por vários estudos, que o chá bem preparado e em cenário propício apresenta poucos riscos, todo cuidado é fundamental!
Análogos da Ayahuasca
Cap. Do livro Las plantas de los dioses, de Shultes, Hoffman e Rasch
O princípio farmacológico descoberto na ayahuasca pode reproduzir-se com plantas que contêm os mesmos princípios ativos (harmalina/harmina e DMT/5-MeO DMT). As combinações de plantas com estas substâncias se chamem hoje “análogos da ayahuasca” ou “anahuasca” e as de princípios ativos isolados ou sintetizados “farmahuasca”.
A investigação psiconáutica da farmahuasca está tão distante das principais correntes políticas que tiveram que transcorrer quase três décadas para que os cientistas independentes, que não recebiam apoio de ninguém e estavam recluidos em sua “clandestinidade”, puseram a prova a teoria dos inibidores de enzimas da farmacologia da ayahuasca. É um paradoxo que precisamente esta linha de investigação foi a que iria ocupar o lugar central nos estudos da bioquímica da consciência e da genética de funções cerebrais patológicas, o que poderá ser comprovado em breve! Assim, a investigação da ayahuasca não apenas constitui uma cúspide neurocientífica, mas também a inibição reversível de MAO (monoamonoxidose) na ayahuasca poderia ser uma alternativa factível e menos tóxica que os compostos daninhos que atualmente se empregam na medicina, assim descreveu o químico em substâncias naturais Jonathan Ott.
Ott opina que o valor dos análogos da ayahuasca radica em seus efeitos enteogênicos, que contribuem para uma ecologia espiritual mais profunda e uma visão mística integral. A ayahuasca e seus análogos provocam, mas unicamente quando se administram em doses adequadas, um êxtase xamânico:
O êxtase xamanístico é a verdadeira “religião dos tempos antigos”; as igrejas modernas não são mais que desbotadas reminiscências desta. Nossos antepassados descobriram em muitos lugares e em muitos momentos que a sofrida humanidade pode, mediante a experiência enteogênica e a extática, reconciliar a inteligência cultivada, a que separa a cada um dos seres humanos de todas as demais criaturas e, inclusive, de outros seres humanos, com os corpos maravilhosamente animais, selvagens e indomados que também somos. Não é necessário crer nisso, já que a própria experiência extática nós dá a crença de unidade e integridade verdadeiras do universo: a crença em nos mesmos como partes integrais de um todo. É ela que nos revela a excelsitude sublime de nosso universo e o milagre oscilante, opalescente e alquímico que representa a consciência cotidiana. Os enteógenos como a ayahuasca poderiam ser a medicina adequada para a humanidade hipermaterialista no umbral do novo milênio, durante o qual se decidirá se nossa espécie seguirá crescendo e florescendo ou se haverá de destruir-se a si mesma em um massivo holocausto biológico, que não poderá comparar-se com nada que há sucedido neste planeta durante os últimos 65 milhões de anos.
A reforma enteogênica é nossa maior esperança para curar a nossa querida Senhora Gaia e promove, por sua vez, um verdadeiro renascimento religioso no nosso milênio.
Todas as receitas para os análogos da ayahuasca devem incluir um inibidor de MAO e um promotor de DMT (dimetiltriptamina).
Até hoje foi experimentado sobretudo com Banisteriopsis caapi, Banisteriopsis spp. E Peganum harmala, mas a natureza também oferece outros inibidores de MAO, como Tribulus terrestris. Como provedores de DMT se costuma empregar Psychotria viridis e Mimosa tenuiflora, embora existam mais possibilidades (veja a tabela).
As Igrejas Ayahuasqueiras
Aparte do emprego autenticamente chamanístico da ayahuasca, durante os últimos anos tem sido construídas no Amazonas várias igrejas sincréticas que usam a ayahuasca como sacramento. Tanto no culto Santo Daime como na igreja ayahuasqueira União do Vegetal se convoca fiéis a reuniões periódicas, nas quais bebem juntos ayahuasca e cantam canções religiosas. Guiados por um sacerdote, os fies visitam tanto aos espíritos dos bosques como os santos cristãos. Muitos acham nestes cultos um novo sentido para sua vida e salvação de sua alma. Para os seguidores das igrejas brasileiras, que já se estabeleceram na Europa, o uso da poção mágica é tão legal como é para os xamãs dos bosques.
Santo Daime, a bebida ritual do culto do mesmo nome, e hoasca, o sacramento da outra igreja, se obtêm, segundo a original receita indígena, fervendo o cipó Banisteriopsis caapi e as folhas da chacrona (psychotria viridis), que são psicodélicos muito potentes.
O culto Santo Daime constituiu-se numa igreja própria em Amsterdan[1], ali está investigando ademais a possibilidade de usar a ayahuasca como remédio no tratamento das adições.
Juremahuasca ou Mimohuasca
Este análogo de ayahuasca é considerado a preparação que mais se tolera e que mais tem mais efeitos psicoativos. Por pessoa é necessário: 3g de sementes de Peganum harmala, finamente moídas; 9g de casca da raiz de Mimosa tenuiflora, e suco de limão.
As sementes da alárgama (Peganum harmala) se ingerem em forma de uma cápsula de gelatina ou esponjadas em água. Quinze minutos depois a cocção da casca da mimosa mesclada com o suco de limão se bebe. De 45 a 60 minutos depois começam, com freqüência depois de náuseas e as vezes vômitos temporais, as visões. Manifestam-se, com freqüência, como um estalido de desenhos caleidoscópios, cores fulgurantes (centelleantes), mandalas fantásticas e viagens a outros mundos. Os efeitos são como os das preparações autenticas de ayahuasca da Amazônia.
[1] - Como a passagem pode ser considerada estranha, aqui vai o original dos autores – “El culto Santo Daime se ha constituido en una iglesia propia em Amsterdam”. Talvez um daimista possa nos esclarecer a passagem.
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