sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Palavras Alucinantes: enteógenos, psiquedélicos e outras realidades semânticas

Fonte: Hempadão - Portas da Percepção


por Fernando Beserra



To fathom Hell or soar angelic,/ Just take a pincho of psychedelic



Parece não existir consenso: do pesquisador, passando pelo usuário, atravessando o território do curioso, até chegarmos ao proibicionista, ninguém parece ter uma fórmula irrefutável ou ideal para definir uma classe misteriosa de substâncias psicoativas, que pode levar do céu ao inferno, e a realidades muito distintas das habituais.



Os termos usados para tentar uma definição são muitos! D. Johnson utilizando o termo de H. Osmond e dos americanos A.Hoffer e J.Smythies popularizou o péssimo termo alucinógeno. Este vocábulo nos leva a pensar que o consumo destas plantas ou substâncias levaria a uma alucinação no sentido psicopatológico, produzindo uma “visão de adoecimento” do uso tradicional destas substâncias, ou seja, um etnocentrismo sem tamanho! Para o ocidental focado na razão é simples e cômodo ver os povos indígenas transformados, através de uma retórica tão tosca quanto absurda, em doentes ou toxicômanos.





Claudio Naranjo, em “Viagem para a cura: narco-análise e psiquiatria” propôs denominações como sensibilizadores (felling enhancer) ou onirógenos (fantasy enhancer) para estas substâncias (apud Henrique Carneiro). O próprio Richard Evans Schultes (Carneiro, 2002), autoridade na área, considera que a multiplicidade de termos deriva do desconcertante objeto em questão, para o qual o termo alucinógeno não dá conta.



O antropólogo Jeremy Narby escreve que: “etimologicamente, hallucinari significa em latim ‘errar com seu espírito, divagar’ (...) É recentemente no século XV que a palavra hallucinari adquiriu o sentido pejorativo de equivocar-se”



Na mesma linha de abordagem se encontra o termo psicotomimético, conceito derivado do século XIX do francês J.J Moreau de Tours (Stafford, 1983). Tours foi “o primeiro a levantar a esperança que produtos químicos poderiam produzir insights em direção ao alívio da doença mental” (op.cit, p.7). Com este termo supõe-se que os enteógenos produzem uma cópia ou mimese da psicose, entretanto, no uso de enteógenos o usuário mantém uma consciência que se encontra ausente na, assim chamada, “crise” psicótica. Outro fator a ser considerado é que dificilmente uma condição chamada psicótica leva a experiências visionárias tomadas pelo sujeito que participa da experiência como profunda modificação positiva em sua vida, o que é relativamente comum no caso dos enteógenos.



Para não nos limitarmos as palavras e argumentos dos proibicionistas, não é de hoje que pesquisadores procuram termos que expressem o mistério. Em 1924 o pesquisador Louis Lewin propôs o termo “Phanthastica”, procurando escapar as visões etnocêntricas em voga. A classificação geral das substâncias psicoativas de Lewin fazia cinco distinções categóricas: 1) Euphorica (ópio e seus derivados, cocaína), Phantastica (mescalina, maconha, meimendro, etc.), Inebriantia (álcool, éter, clorofórmio, benzina, etc.), Hypnotia (barbitúricos e outros soníferos) e Excitantia (café e cafeína, tabaco, cat, cola, etc.).



Mas, queridos leitores, foi em meio a uma épica batalha poética que surgiu um dos mais inovadores termos ainda hoje utilizados: psiquedélico!



No decorrer das discussões sobre a inadequação do termo “alucinógeno” Humphry Osmond trocou algumas cartas sobre nomenclatura com Aldous Huxley. Numa carta de 1956, Osmond propôs a Huxley a utilização do termo psiquedélico para referir-se a mescalina e as substâncias relacionadas (Ott, 2004). Huxley, que tinha problemas de vista, confundiu a palavra por psicodético e, em sua proposta a Osmond em 30 de março de 1956, propôs fanerotime (aquilo que se faz manifesto) como alternativa. Osmond iniciou um duelo lingüístico com o inglês, respondendo a Huxley com a seguinte poética:
Para penetrar no inferno ou ter um vôo angélico,/ simplesmente tome uma pitada de psiquedélico (“To fathom Hell or soar angelic,/ Just take a pincho of psychedelic”).



Ao que Huxley respondeu: “Para que este mundo trivial seja sublime/ Tome meia grama de fanerotime (‘To make this trivial world sublime/ Take a half a gramme of phanerothyme’)”.



Finalmente em 1963 o termo psychedelic ganhou as ruas, sendo popularizado pela publicação The Psychedelic Review fundada por Timothy Leary, Ralph Metzner e Humphry Osmond. As críticas a palavra: “psiquedélico” e as novas palavras propostas nesta “Guerra das Palavras” (e também de realidades!) traremos a discussão semana que vem!



E você, leitor, qual palavra acha mais adequada?

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