sábado, 4 de setembro de 2010

Discussões Terminológicas - Enteodélico (parte I de 2)


Parte da entrevista de Juanjo Piñeiro no seu livro Psiconautas: exploradores de la realidade com o psiconauta Joaquim Tarnas

Tradução: Fernando Beserra

Juanjo Piñeiro e sua esposa Ann


Juanjo Piñeiro: [...] E falando do velho e do novo... Havia-te prometido que antes de terminar falaríamos da palavra enteodélicos. Inventei esta palavra enquanto estava no México. Ao começar a fazer estas entrevistas, havia psiconautas com os quais tinha que usar a palavra enteógenos, com outros a palavra psiquedélicos e por isso me ocorreu enteodélicos, simplesmente fusionando as duas primeiras. Com efeito, logo ao voltar a Barcelona e ao usar a Internet, comprovei que a você e outros amigos psiconautas também isso havia ocorrido e a cada qual por sua conta. Mais tarde, falando contigo compreendíamos que além de uma simples fusão de outros dois termos, também tem seu significado e é adequado, útil e interessante. Ao princípio disseste que queria falar da palavra enteodélico, pois adiante.

Joaquim Tarnas: Sim, queria dizer algo muito importante: enteodélicos é a palavra do futuro. Há gente que está contra psiquedélico ou psicodélico (Ott, Fericgla...), e outros que estão contra enteógenos (Mckenna, Shulgin, Grof, Escohotado...); também há psiconautas aos quais tanto faz, como Giorgio Samorini ou Manoel Torres. O bom de enteodélico é que tem o melhor das palavras, e o problema de nenhuma. Enteodélico é genial porque enteo quer dizer a divindade dentro, e delos é desvelar, mostrar ou revelar.

JP: Poder falar de que problemas e vantagens vê na palavra enteógeno e psiquedélico?

JT: O problema com enteógeno – gerar o divino interiormente – é a conotação essa de que você cria algo, ficando assim a idéia de que tudo pode ser uma “invenção”. Jonathan tem procurado dar uma acepção precisa do termo que atravesse esta conotação, e tem feito o possível a nível lingüístico para não identificá-la com criação ou geração, que parece algo mecânico. Enteógeno é uma palavra boa para referir-se ao mundo chamânico, tão relacionado com entidades e próximo ao que nós chamamos espiritualidade. Em troca, psiquedélicos fica mais neutro para nossa cultura científica. Significa desvelar a mente e vem sendo utilizada mais para o campo da psicoterapia no qual a conotação religiosa deve ser evitada. Também há quem diz que psique, originalmente em grego, tenha um significado mais cósmico ou transcendente que o significa de mente tal e como o entendemos agora.

            O problema é que não há uma maneira de casar ambos os mundos. Como disse, enteógeno inclui uma palavra muito ruim, que é gerar, e psiquedélico carece da referência ao transcendente. Enteodélico parece ser um termo médio que dissolve o problemático de ambos os conceitos. Assim está bem, porque tira a idéia de que outros têm a responsabilidade de sua espiritualidade. Se mudar o ge (gen) de gerar (generar) por delos, por desvelar, pois fica muito melhor, ao falar de descortinar o véu e também evita a referência única ao mental do termo psiquedélico, ampliando a experiência mais ao sagrado ou ao cosmos, se você preferir. Depois haverá quem siga pensando que neste neologismo Téo tem uma conotação demasiado religiosa, e me refiro ao conceito pessoal de Deus que temos no Ocidente.

JP: Eu proporia traduzir Teo do náhuatl mais que do grego. Teo em náhuatl equivale a algo assim como Grande Energia ou Grande Espírito, e me parece mais apropriado esse significado para os psiconautas que conheço, que tomar o significado do Theos grego: Deus ou divindade, palavras muito carregadas, como você diz, pelo seu uso religioso na nossa sociedade – embora haveria que distinguir de uma vez a espiritualidade da religião -. Por certo que não deixa de ser curiosa a coincidência entre o náhuatl e o grego em uma palavra tão importante, em duas línguas aparentemente distantes.

QT: Se haveria de buscar a etimologia grega, porque os gregos eram panteístas, tinham perdido o misticismo pré-socrático, que seguramente era taoísta. Então, se antes os gregos utilizavam uma palavra para definir este Tão, a melhor era theo.

JP: Em qualquer caso, também enteodélico poderia ser uma palavra de significado aberto, onde cada qual dê a Téo o significado que mais o agrade: Grande Energia, Grande Espírito, Consciência-Força Original, Deus, Divindade, Tão, Shakti, Iswara, etc. Seria uma palavra cujo significado exato seria personalizado. E, desde logo, depois de nossas experiências visionárias com o mote mexicano de Oaxaca e Chiapas, incluiria sem nenhuma dúvida a Cannabis e o THC (tetrahidrocannabinol) entre os enteodélicos.

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