domingo, 5 de setembro de 2010

PSICONÁUTICA CATÓLICA

Mais um excelente texto do Jonathan Ott. E, também, mais uma tradução duvidosa, mas, no final das contas, ajuda. Quem quiser ler o original basta entrar no Onirógenos. Este texto foi escrito para a revista Cañamo. Lembrando aos leitores que ainda procuramos pessoas interessadas em escrever no Enteogenico, caso alguem tenha vontade entre em contato em: fernando.beserra@hotmail.com. Vamos ao Ott, sempre afiado e introduzindo novos termos.

Jonathan Ott - do site Onirogenia

PSICONÁUTICA CATÓLICA

Tradução: Fernando Beserra

Apresentamos, com este artigo, uma nova seção que vai tratar, no sentido mais amplo, sobre a alteração da consciência por meio de substâncias psicoativas. O autor destas reflexões Jonathan Ott é bem conhecido entre os nossos leitores, como psiconauta, investigador e, naturalmente, autor de "ottiano” e magno Pharmacotheon.

Bem vindo ao psicocosmos, querido leitor. Sou psiconauta pertinaz, um curioso pertinente do olho incorpóreo católico, um prosista do périplo. Peregrino, pendente da perícia psicopática. Também neólogo inveterado, mas isso é outra história, aliás, aqui não se trata de neologismos meus.

Psiconautas (Psychonaut) se intitula um capítulo da obra magna, naturalmente psiconáutica Annäerunge: Drogen und Rausch (Acercamientos: Drogas y ebriedad, ainda por sair em castelhano: Ernest Klett Verlag, Stuttgart, 1970, p. 430) de Ernest Juger, na penúltima página (501) na qual aparece também psicocosmos (Psychokosmos), sendo este o universo circunavegado pelo psiconauta, com ou sem um leme, para não dizer um rumo.


Quanto a psicopática, este é um anglicismo (Psychoptic), que acabo de introduzir no mundo de língua castelhano se não já o utilizei em “Pharmacophilia ou paraísos naturais” (Phantastica, Barcelona, 1998), um detalhe que me lembro. Devo dizer que foi um neologismo inglês em 1744, mas agora está nos dicionários, pelo menos no Oxford English Dictionary (OED), definido como “o que produz visão da mente ou a alma” e não deve ser confundida com psicoóptica (Psychooptic), cujo significado é mais fisiológico: “o pertinente a percepção mental da visão”.

Psicóptico me parece a palavra idônea para descrever as visões em sentido estrito, a percepção pelo olho desencarnado (ou bem interior ou, segundo alguns, exterior) do psionauta divagando pelo psicocosmos. Devemos ir em socorro a neologia para dar voz a percepção psiconáutica de caráter auditivo, psicauricular (Inglês: psychaural) e, por sua vez, psicolfativo, psicogustativo, psicotatil (psychofalctory, psychogustatory, psychotactile). De fato, como expressou poeticamente o meu falecido mestre R. G. Wasson: “O hongueado [alguem após uso de algum cogumelo psilocíbico] fica suspendido no espaço, como um olho desencarnado, invisível, incorpóreo, vendo sem ser visto. Na realidade, os cinco sentidos incorpóreos, todos sintonizados no mais alto registro da sensibilidade e atenção; todos misturados uns com os outros na maneira mais estranha, até que a pessoa, completamente passiva, devêm um puro receptor infinitamente delicado de sensações. O que é visto e ouvido parece ser a mesma coisa... ocorre a mesma coisa com o sentido do tato, paladar, olfato” (El hongo maravilloso. Teonanáctl. Micolatria n Mesoamérica, FCE, México, 1993, La traducción alterada por mi).

Quanto ao meu estranho emprego de católica em meu título, nada tem haver, naturalmente, com o entendimento comum, ou seja, a fé ou a religião católica. A palavra grega remonta a muito antes dessa instituição famosa, e seu significado literal – dado como o principal tanto no Dicionário da Língua Espanhola (ERA) como o de Moliner, é “universal”, “geral, comum a todos”. É com ironia consciente que traço psiconautica católica, e não universal. Além disso, ela inclui um duplo significado, sendo catolicón, portanto, um remédio universal ou panacéia (na verdade, também são sinônimos em inglês). 




Deixemos claro de entrada e sem melindros: Embora minha mãe venha de família “católica”, tive a sorte de crescer sem doutrinações deste ou de qualquer outro culto. Não sou católico, tampouco cristão. Eu não tenho nenhuma religião, nem me faz falta. Concedo ao próximo toda liberdade religiosa e não me importam as crenças dos outros, sempre e quando não andem com um afã para proselitizar (infelizmente, os católicos e religiosos em geral se destacam historicamente pelo seu moralismo hipócrita [mojigato], proselitismo zelo; o que vem a chamar-se eufemisticamente de evangelização. Visto de outro lado, por parte dos andinos sul-americanos, por exemplo,
a educação social torna-se mais claramente uma questão de extirpação, inquisição e mesma caracterizações mais feias, sendo da mesma classe que conquista, escravidão, exploração, espoliação, genocídio, etc.).
           
Sou psiconauta católico porque também (nas palavras aptas de Antonio Escohotado) sou um “terrorista lingüístico” (embora eu diria mais revolucionário; e convêm lembrar que os revolucionários os chamamos assim por acaso, devido ao título de um livro de idéias altamente heterodoxas: De revolutionibus oribium coelectium por Nicolas Copérnico, do fatídico ano, 1543). É importante elaborar novas palavras para embelezar a competência expressiva de nossos idiomas: ainda mais importante é redimir palavras do cativeiro de propagandistas e vigaristas, daqueles que têm deformado e pervertido no serviço do engano contra o esclarecimento.

Cabe mencionar que sou americano em sentido amplo, por desgraça nascido nos Estados Unidos, país que abandonei há 13 anos a favor da ibero América, ao não poder agüentar mais o imperialismo bélico de Washington (tanto externo, contra todo o mundo, como interno, contra os 50 estados, coisa que passa desapercebida fora do país, e escassamente advertida dentro). Como cidadão residente no exterior, somente me corresponde pagar ao imposto sobre Seguro Social, e não o da “guerra e escravidão”, por tanto, durmo mais tranqüilo. Falando de redimir palavras, sou americano, sendo natural do continente da América do Norte (igual aos canadenses e mexicanos); sou usano (neologismo meu, por analogia a estadunidense), sendo um gringo. Embora tenha herdado idiomas, sangues e culturas européias, a Europa segue sendo para mim exótica, de uma maneira que não são, digamos, Chulumani, Bolívia ou Manizales, Colômbia ou Rio de Janeiro, assim que me sinto em casa quase em qualquer lugar nas Américas (aonde menos é em meu próprio país, talvez devido ao fato de ter um pequeno enxerto de sangue indígena). Nunca sequer estive na Irlanda, país de minha família materna; enquanto que a Suiça, de parte paterna, embora me encante não é meu lar.


Destaco tanto estes temas para identificar-me bem frente ao leitor. Aqui se tratam de palavras minhas, assim que representam idéias ou opiniões, de acordo com a informação ao meu alcance e não pretendem ser objetivas, mas somente subjetivas. As pretensões a objetividade científica, jornalística, política e outras são para mim patéticas e irrisórias. Localizo-me como americano e não religioso, porque estas colunas versam majoritariamente sobre o relacionado ao xamanismo americano, pois os xamãs são psiconautas do mundo não letrado. Xamanismo nada tem haver com religião, sendo a religião, ao contrário, seu inimigo mortal. O xamanismo se assemelha mais a filosofia natural ou a ciência verdadeira, baseada principalmente na experiência própria que, ao converter-se na “ciência moderna” vem adquirindo cada vez mais caráter religioso (ou artificial: dogmático, político, teórico), até chegar a suplantar as religiões clássicas como mão direita do Estado. Os xamãs são denominados muitas vezes “aqueles que sabem” e sua sabedoria consiste em confiar na experiência direta e não na crença, em estar sempre aberto, com afã de aprender. Equivale a reconhecer de antemão que não sabemos nada de “ciência certa” (aspas do tradutor), e que existem coisas que não podemos saber, como, por exemplo, a respeito da origem do universo (ou, por ventura, do ser supremo que supostamente o criou; o acaso da milagrosa “singularidade” da onde a explosão deriva, etc). É a única postura honesta, sem dizer adequada, para aspirar a aprender, tanto para o xamã como para o cientista; todo o resto é religião, “ciência certa” (cierta) que presume ter respostas absolutas, enquanto todo cientista verdadeiro sabe que a investigação sempre possui mais perguntas que respostas e aprender consiste em dar-se conta de que não as sabe nada com certeza. Além disso, embora chegue a dispor de maiores informações, constitui um quebra-cabeça cada vez mais complexo e minuciosamente fragmentado, cada vez mais relutante a qualquer ensambladura coerente, sem falar de divulgar em charmoso e elegante quadro, muito menos incorporar todas as peças. Em poucas palavras, a certeza não cabe na sabedoria. Assim é o saber do xamã e do filosofo natural. Igual a qualquer profissão, é claro, tanto no mundo xamãnico como no científico nunca faltam farsantes e pessoas desonestas. Pode-se ter certeza  ao menos de uma coisa: os “especialistas” que presumem saber a “ciência absoluta” (ciencia cierta), os que acham que tal ou qual há sido comprovado, estes não sabem.

A psiconáutica xamãnica tampouco tem haver com a “Nova Era”, não existe nenhuma profissão mais arcaica, mais “Antiga Era”. Classificar o xamanismo assim, lançando-o num emaranhado obscuro de não se sabe o que, grande parte mais fantasioso que substancial, de mesquinho conteúdo informático ou intelectual (sendo mais mercantil e religioso que outra coisa), é ignorante e irrespeitoso, e um insulto infame a um dos aspectos mais valiosos e sólidos de nossa raça humana. Vou discorrer aqui sobre uma dessemelhança de temas embelezadora, infringindo o território de qualquer “especialidade acadêmica” que obstrua o passo. Minha única incumbência é de aprender e esclarecer, minha única autoridade, minha experiência própria. Felizmente, não sou nenhum especialista. Minha qualificação mais augusta consiste em não saber nada, embora tenha uma biblioteca excelente e, sim, o acesso a uma diversidade de informação desmesurada!

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