sexta-feira, 4 de junho de 2010

História Natural e Química do Ololiuhqui



Páginas 118 a 121 (in Pharmacotheon de Jonathan Ott)


Tradução: Fernando Beserra


Depois da conquista do México em 1521 uma série de cronistas espanhóis, dos séculos XVI e XVII, fazendo referência as práticas religiosas dos astecas e de outros grupos indígenas, descreveram o uso ritual de umas sementes enteogênicas chamadas ololiuhqui “coisas redondas”. Se afirmava que as sementes procediam de uma planta chamada coaxihuitl ou coatlxoxouhqui “planta serpente” ou “serpente verde”. A planta aparecia ilustrada no Codex Florentino de Sahagún, e pertenciam de forma inconfundível a família das Convulvulaceae, a família da enredadera e dos dondiegos de dia (Hernández 1651; Hofmann 1980; Sahagún 1950; Sahagún 1982; Schultes e Hofmann 1980; Taylor 1944; Taylor 1949; Wasson 1963). Sahagún descrevia o uso das sementes ololiuhqui em diversos rituais e em fitoterapia como tratamento tropical contra a gota, combinado com fungos (hongos) enteogênicos (veja capítulo 5), diversas espécies de Datura (ver apêndice A) e outras plantas. Para o tratamento da “febre aquática”, que se supõe ser a malária ou outra enfermidade similar, os médicos astecas prescreviam a ingestão de um super-enteógeno que consistia da combinação de sementes ololiuhqui, peyote (ver capítulo 1), fungos (hongos) enteogênicos e espécies de Datura (Sahagún 1950; Sahagún 1982).



Em 1897, Urbina identificou o ololiuhqui como as sementes da Ipomoea sidaefolia (hoje conhecida por Rivea corymbosa ou Turbina corymbosa; Urbina 1987), identificação aceita posteriormente por B. P. Reko (B.P.Reko 1919). Alguns botânicos sustentaram de forma equivocada que a “planta serpente” dos astecas não era na realidade um dondiego, mas uma espécie de Datura, gênero que pertence a mesma família da batata, tomate, beleno, mandrágora, etc., as Solanaceae (Hartwich 1911; V.A.Reko 1936; Safford 1915) (10). Finalmente, em 1938, Bas Pablo Reko e Richard Evans Schultes coletaram os primeiros exemplares em boas condições de coaxihuitl e de ololiuhqui, identificando definitivamente a planta como Turbina Corymbosa (Schultes 1941).


Reko havia enviado com anterioridade sementes ololiuhqui a C.G Santesson da Suécia, quem confirmou sua psicoatividade, mas foi incapaz de isolar o princípio ativo (Santesson 1937ª; Santesson 1937b; ver também capítulo 5, nota 6). Os resultados dos trabalhos de Santesson indicaram a hipotética presença de um glucoalcaloide ativo na droga. Um quarto de século mais tarde, dois grupos de investigadores (incluindo W.B.Cock, a serviço da CIA no projeto MKULTRA; ver capítulo 5, nota 8) isolaram de forma independente um glucósido, a turbicorina, a partir das sementes da Turbina Corymbosa (Cock e Kealand 1962; Pérezamador e Herrán 1960). Posto que este glucósido não está presente nas sementes da Ipomoea Violacea, que são ainda mais potentes, se considera que não contribuem em grande medida ao efeito psicofarmacológico das sementes do dondiego (Hofmann 1963ª), embora mostrou leves indícios de atividade em uma dose oral de 30mg (Hoffer e Osmond 1967). Em alguns dos primeiros estudos que se realizaram sobre os efeitos do ololiuhqui, baseados em autoexperimentos, seus autores duvidaram das propriedades enteogênicas destas sementes (Kinross-Wright 1959; B.P.Reko 1934). Em 1955 foram levadas a término uma série de autoexperimentos que permitiram estabelecer claramente as propriedades enteogênicas das sementes da Turbina Corymbosa (Osmond 1955) (11). Foi no verão de 1959 quando R.G.Wasson (um investigador estadunidense que estava estudando os cultos dos fungos [hongos] sagrado mexicanos; ver capítulo 5) enviou uma pequena amostra (21g) das sementes de ololiuhqui a Albert Hofmann da Sandoz, junto com uma quantidade maior (204g) de umas sementes relacionadas, conhecidas na zona Zapotéca do México com o nome de badoh negro, para distingui-las do badoh ou autêntico ololiuhqui (Hofmann 1963ª; Wasson 1963). A segunda mostra de sementes foi identificada como pertencente a espécie Ipomoea violacea (sinônimos: I.rubro-caerulea, I.tricolor), outro dondiego cultivado como planta ornamental. O uso das sementes de I.violacea por parte dos índios zapotecas como substituto das de T.corymbosa foi descoberto por T.Macdougall, publicando seu achado em 1960 (Macdougall 1960). Wasson sugeriu que a I.violacea podia ser a droga conhecida pelos astecas como tlitliltzin (“coisas negras sagradas”; Wasson 1963), e pelos maias como yaxce´lil (Garza 1990). Tanto I.violacea como T.corymbosa seguem sendo usadas como embriagantes chamânicos no México, por exemplo, entre os índios mixe de Oaxaca. A Ipomoea violacea é conhecida popularmente no México como quiebraplato, nome que provem da palavra em língua mixe piH pu´ucte.sh ou “flor del plato roto”. (Lipp 1990). Os mixe consideram que a I.violacea é mais potente que a T.corymbosa (o que foi corroborado pelas análises químicas; ver abaixo), pelo que preparam uma infusão da primeira em água fria, utilizando para isso 26 sementes que são moídas na metade por uma virgem (prática que Wasson pode presenciar entre os zapotecas em 1963; igualmente os mixtecas o serviram o jugo dos fungos [hongos] enteogênicos triturados por uma virgem em 1960, ou o jugo da planta Salvia divinorum também preparado por uma virgem mazateca em 1962; Wasson 1963). Antes de servir a infusão das sementes do dondiego, os índios mixe, zapotecas e mazatecas invariavelmente filtram os restos sólidos através de um pano.


Um nome genérico utilizado pelos mixe para referir-se a estas sementes é masung-pahk ou “ossos das crianças” (Lipp 1991). Os zapotecas também chamam a semente da Ipomoea violacea la´aja shnash ou “semente” da virgem, da onde provavelmente deriva o termo mexicano contemporâneo, sementes da virgem (Wasson 1963). Embora correntemente se aceita que o nome se refira a virgem da religião católica, é provável que este provenha do termo zapotéca, que se refere claramente a virgem encarregada de moer as sementes.


Com as pequenas mostras iniciais de ambas sementes, Hofmann pôde determinar a presença de alcalóides indois (indólicos) nelas, o que o motivou a pedir a Wasson quantidades maiores que o permitiram isolar os princípios ativos. A princípios de 1960 Wasson o enviou 12 kilos de sementes de Turbina corymbosa e 14 kilos de sementes de Ipomoea violacea (Hofmann 1963a). Wasson havia obtido as sementes com a ajuda do eminente antropólogo Robert Weitlaner, e sua filha Irmgard e Thomas MacDougall. Antes de terminar este ano, Hofmann e seus ajudantes conseguiram isolar e identificar os princípios ativos. O constituinte principal de ambas as espécies resultou ser a amida de ácido d-lisérgico ou ergina (LSA-111). Encontraram-se também quantidades menores de isoergina, chanoclavina e elimoclavina. Além de traços de lisergól e de ergonovina na T.corymbosa e I.violacea respectivamente (Hofmann 1961, Hofmann 1963a, Hofmann e Tscherter 1960). Posteriormente se viu que parte da ergina e isoergina se encontravam na planta em forma de N-(1-hidroxetil) amidas, que se hidrolizavam facilmente para dar a ergina e isoergina (Hofmann 1971). A concentração total de alcalóides se estimou em 0,012% na Turbina Corymbosa e em 0,06% na Ipomoea violacea (Hofmann 1963a). O leitor atento recordará que a ergonovina foi o terceiro alcalóide que se conseguiu isolar do cornezuelo. A ergina e a isoergina já haviam sido sintetizadas e ensaiadas nos laboratórios Sandoz nos anos 40, comprovando-se sua psicoatividade na mesma série de investigações que foram levadas a cabo com o LSD. Ambos compostos foram encontrados também no cornezuelo que infecta a erva silvestre Paspalum (Arcamone et al 1960). A chavoclavina e a elimoclavina haviam sido também isoladas anteriormente do cornezuelo que parasita os gêneros Pennisetum e Elymus (Abe et al. 1955; Hofmann et al. 1957), enquanto que o lisergól só havia sido obtido como derivado artificial dos alcalóides do cornezuelo (Hofmann 1963a). No seu livro sobre as aplicações psicoterápicas dos enteógenos, Roquet e Favreau qualificam erroneamente a ergina de “glucósido com uma função amida”, baseando-se em antigos informes de Santesson (Santesson 1937a; Santesson 1937b) e o posterior isolamento do glucósido turbicorina das sementes da T.corymbosa (Cook e Kealand 1962; Pérezamador e Herrán 1960; Roquet e Favreau 1981).


Apesar do ceticismo inicial que rodeou a presença de alcalóides do cornezuelo no dondiegos (Hofmann 1980; Taber e Heacock 1962), a descoberta de Hofmann foi rapidamente confirmada (Taber et al. 1963a; Taber et al. 1963b), descobrindo-se mais tarde que estes alcalóides estavam presentes em muitas outras espécies de Ipomoea (ver quadro 2; Der Marderosian 1967; Der Marderosian e Youngken 1966; Der Marderosian et al. 1964a; Der Marderosian et al. 1964b). A concentração mais elevada. 0,3%, de alcalóides se encontrou na “baby Hawaiian woodrose”, Argyreia nervosa (Chao e Der Marderosian 1973a; Chao e Der Marderosian 1973b; Hylin e Watson 1965). Os mesmos alcalóides estão presentes nas folhas e talos da Ipomoea violacea e Turbina corymbosa (Genest e Sahasrabudhe 1966; Hofmann 1963a; Taber et al. 1963b; Weber 1976; Weber e Ma 1976). No Equador a Ipomoea cárnea, que se conhece com o nome de borrachero ou matacabra, é utilizado tradicionalmente como enteógeno e se tem visto que suas sementes possuem alcalóides ergolínicos (Lascano et al. 1967; Naranjo et al. 1964). Numerosas espécies de Argyreia e Ipomoea possuem alcalóides ergolínicos (ver quadro 2; Chao e Der Marderosian 1973b; Gardiner et al. 1965; Genest e Sahasrabudhe 1966; Staba e Laursen 1966) igual a espécie Stictocardia tiliaefolia (Hofmann 1961). Ademais, com base em seu uso em etnomedicina, é provável que diversas espécies de Convolvulus (Albert-Puleo 1979; Genest e Sahasrabudhe 1966), Ipomoea crassicaulis (Zamora-Martinez e Nieto de Pascual Pola 1992), I.involucrata (Akendengué 1992; MacFoy e Sama 1983); I.littoralis (Austin 1991), I.medium (Beaujard 1988) e I. pes-caprae (Dagar e Dagar 1991; Ponglux et al. 1987; Pongprayoon et al. 1991), tenham a sua vez alcalóides ergolínicos com propriedades enteogênicas (12).

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