quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Enteógenos: Psilocibina e evolução.


É certo que a maioria das considerações sobre enteógenos desde o fortalecimento do cristianismo tem sido francamente negativa. Associações entre enteógenos e diabolismos não faltaram ao longo da história; dos cultos peioteiros introspectivos de povos da América Central até frenéticos ritos europeus, influenciados ou não pela cultura celta, foram todos associados a uma visão negativa e satânica. Resistências e palavras de contra-ataque surgiram de diversas bocas, muitas vezes sem força para fazer frente a cultura cristã devota do vinho, mas com ojeriza de Dioniso e da êxtase xamânica.


Se no século XX a situação de estigmatização aos consumidores de substâncias psicoativas tornou-se ainda mais obscura, é certo que após os anos 60 uma série de resistências surgiu enfaticamente. Foram nestes novos modos de entender o uso de substâncias psicoativas que apareceram visões sobre a positividade destes usos, quer dizer, foi pensada não só a dimensão de “vício”, tampouco apenas a condição “lúdica” de muitos usos, mas as formas em que tais usos foram efetivamente positivas para a vida de seus usuários. Naquele momento, houve um foco muito grande nos psicodélicos sendo usados visando o autoconhecimento e a transformação pessoal.




A galera do hempadão, dia 28 de janeiro, publicou um vídeo do excelente pesquisador Henrique Carneiro (http://hempadao.blogspot.com/2010/01/ed-48-hemptube-professor-universitario.html) que aborda possíveis usos positivos de “drogas”. Esses usos são muitos importantes se pensamos na desnaturalização do papel de bode expiatório que não só as “drogas”, mas especialmente seus usuários foram colocados ao longo destes períodos, tanto de demonização cristã, como de “Guerra as drogas”. Neste contexto, ninguém mais radical para abordar os usos positivos do que Terrence Mckenna que, no livro “Alimento dos deuses” chega a sugerir que a evolução do homem tenha sido motivada pelo uso de psilocibina[1].


O argumento evolutivo relacionado às “drogas” no entanto não é novo, embora nunca tenha sido feita de forma tão radical quanto por Mckenna. Gordon Wasson, que é um dos grandes historiadores das substâncias psicoativas, sugere que os cogumelos mágicos podem ter sido agentes causais na gênese da religião. Nas palavras de Wasson:


Enquanto o homem emergia de seu passado bruto, há milhares de anos, houve um estágio na evolução de sua consciência em que a descoberta do cogumelo (ou teria sido uma planta superior?) com propriedades miraculosas representou para ele uma revelação, um verdadeiro detonador de sua alma, despertando sentimentos de espanto e reverência, de gentileza e amor, até o nível mais elevado de que a humanidade é capaz; todos esses sentimentos e virtudes que desde então a humanidade vê como o maior atributo de sua espécie. [...] Algumas pessoas ficam chocadas ao pensar que a chave até mesmo para a religião possa ser reduzida a uma simples droga. Por outro lado, a droga é tão misteriosa quanto sempre foi: “como o vento que chega, não sabemos quando nem por quê”. De uma simples droga surge o inefável, surge o êxtase. Não é a única situação da história humana da onde do inferior nasceu o superior.[2]


Desconsiderando esta última frase e seu julgamento de valor, é possível vermos na consideração de Wasson um vislumbre sobre potenciais positivos no consumo de uma “droga” enteógenica, o cogumelo psilocybe.


Para começar um mapeamento sobre as positividades do consumo do psilocybe, que vamos destrinchar introdutoriamente, é mister numerá-los:


1. Ligação causal entre uso do cogumelo mágico e origem da religião.

2. Relação entre o uso do cogumelo e o aguçamento da linguagem, chegando a hipótese do consumo dos cogumelos mágicos ter sido o agenciador das primeiras experiências da linguagem humana. Considerando a linguagem humana um demarcador do homem em sua diferença dos macacos, o psilocybe seria o “elo perdido” entre homens e símios.

3. Relação do consumo do psilocybe e da origem da consciência humana.

4. Ligação estreita e não dual entre homem e natureza através do consumo dos cogumelos mágicos.


Antes de continuar sobre os pontos B, C e D, vamos fazer um resumo sobre os cogumelos mágicos para facilitar a compreensão sobre tais hipóteses. O psilocybe cubensis é um cogumelo pandêmico, ou seja, ocorre em todas as regiões tropicais, pelo menos onde existe o gado de tipo zebu (bos indicus)[3]. Estes cogumelos contem como princípio ativo, como já dito, a psilocibina, mas também a psilocina. São considerados “alucinógenos indólicos”[4] por possuírem um grupo pentextil associado a um anel benzeno; dentre as quatro famílias de compostos indóis, os psilocybe cubensis podem ser enquadrados na categoria “alucinógenos triptamínicos”. Em “Alimentos dos deuses” de Mckenna lemos:


Os alucinógenos tripatmínicos, especialmente a DMT, a psilocina e a psilocibina. Os alucinógenos triptamínicos são encontrados em todas as famílias de plantas superiores – por exemplo, nos legumos – e a psilocina e a psilocibina ocorrem nos cogumelos [...].


Acerca da influencia na gênese da linguagem pelo uso de psilocibina, condição de possibilidade de um novo tipo de evolução, não moldado apenas pelo acaso das mutações bem sucedidas, podemos considerar com Henry Munn que a “intoxicação” por cogumelos traz uma enorme espontaneidade lingüística, na fluência e aptidão expressiva. Munn escreveu que: “Para o xamã, é como se a existência estivesse se verbalizando através dele”. Temos aqui tanto uma continuação, para o xamã, de uma ligação visceral com a natureza, não dual, assim como certa concretude lingüística.


Os cogumelos teriam ativado organelas envolvidas no processamento e na geração de sinais. O efeito do uso de “cogumelos mágicos” é eminentemente visto no córtex pré-frontal e também na área de broca, regiões recentes na evolução cerebral que estão relacionadas a atividade lingüística. A área de broca, p.ex, comanda a formação da fala.


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Além das hipóteses evolucionárias, Mckenna ainda nos coloca uma abordagem fundamentada no presente, isto é, que procure responder ao nosso afastamento constante da natureza e que nos tem levado a uma destruição constante não apenas de nossos iguais, mas também do nosso próprio planeta. Segundo Mckenna o nosso próximo passo evolutivo deve implicar:


[...] não somente um repúdio da cultura dominadora como também um Renascimento Arcaico e um ressurgimento da consciência da Deusa. Está implícita no final de uma cultura profana e secular a noção de nosso envolvimento com a volta da mente vegetal. A mesma mente que nos levou à linguagem da auto-reflexão agora nos oferece as paisagens sem fronteiras da imaginação. É a mesma idéia de realização humana através da “Imaginação Divina” que foi premonitoriamente vislumbrada por William Blake.


Atualmente isso reflete bastante a visão da fala dos vegetais através de mediadores, um pensamento comum em cultos ayahuasqueiros, mas também na visão sobre a coca como planta mestra de Anthony Henmann. Esta é uma idéia que visa pensar no que a planta tem a nos ensinar, em vez de considerar que nos apenas “usamos” um objeto, é uma idéia, como ele mesmo diz em relação a coca, indígena, pré hispânica.

Reflexões

Se não tenho estudos o bastante nem biológicos, nem etnobotanicos e nem mesmo históricos para afirmar ou negar a visão de Mckenna sobre a relação entre psylocibina e evolução, sua hipótese é muito interessante e merece consideração.


O que mais me interessa, no entanto, é essa possibilidade de estabelecer outra forma de relação não inquisitória com as plantas, com as substâncias psicoativas, e com seus usuários, de forma a abrir a consciência os universos ainda pouco explorados dos usos positivos destes “banidos” pela lógica vigilante e hipócrita de um sistema tornado louco.


É neste tipo de situação louca, neste entorpecimento da razão, que a ciência perde sua cientificidade, que a ética perde sua relevância, em prol de valores duvidosos que tanto contribuíram para que tantas pessoas concretas, de carne e osso, fossem levadas a cadeias, privadas de suas liberdades, e finalmente mortas, direta ou indiretamente, por conflitos absolutamente desnecessários.


Localizado neste bombardeio da estupidez que por vezes nem sequer cogitamos que a coca possa ser usada como redutora de danos e riscos para o consumo de cloridrato de cocaína, que sequer cogitamos que a maconha possa ser usada para diminuir a fissura, as paranóias e abrir apetite de usuários de crack.


É neste contexto louco, no sentido negativo da loucura, que aplaudo de pé estes que ainda levantam-se e, sem sequer precisarem gritar, fazem desmoronar paradigmas centrados na clausura: prisão de humanidades. E isso faz-se desde o grito e a irreverência numa passeata em prol da legalização da maconha, como no seu cantinho, tratado com carinho uma ipomea, uma cannabis, ou que planta seja.


[1] - Eu também notei, como no comentário de Hakim Bey um certo puritanismo nos argumentos de Mckenna, como se as “drogas” naturais fossem o caminho de ligação homem-natureza, o que leva a pensar que as substâncias sintéticas seriam, estas sim, problemáticas. Existe todo um discurso, que pode ser observado também em músicas do Planet Hemp, que “algo natural não pode te prejudicar”, e esquecemos que o homem é “naturalmente” cultural e histórico, colocado, exatamente por ser no mundo, diante de fantasias e “a-naturalidades” diante da realidade “natural”. A realidade, como diz Jung, é o que as pessoas experienciam e não o que alguns acham que é a realidade, tentando enquadrar a experiência em princípios redutivistas. Nesse sentido, talvez seja tão importante quanto a maior ou menor “naturalidade” da substância a imagem que é formada sobre ela. Em última análise, a natureza tanto embeleza quanto mata.

[2] - É importante notar que Wasson e Mckenna diferem substancialmente sobre o “cogumelo mágico” que teria sido reverenciado pelos vedas, o soma (que influenciou Adouls Huxley em seu excelente romance, “A Ilha”). Para Wasson o soma, ou huama, seria o amanita muscaria, enquanto para Mckenna este seria o psylocibe cubensis. Esta discussão, porém, fica para uma próxima.

[3] - Por outro lado, o próprio Mckenna gagueja sobre a sua presença substancial na Índia, o que leva a alguns problemas em sua hipótese do psylocibe como “Soma”.

[4] - Já colocamos num post anterior o equívoco que é considerar tais substâncias alucinógenas.

5 comentários:

casella disse...

Queria provar cogumelos

Fernando Beserra disse...

Fala casella,
O site cogumelos mágicos http://www.cogumelosmagicos.org/

fornece todas as informações necessárias para os cuidados de reconhecimento dos cogumelos corretos e as formas mais adequadas para um o mais seguro possível.

Lembrando sempre do contexto e estado mental adequado.. =)

Caso vá fazer o uso, bom uso pra ti.
Depois, se quiser, nos envie o relato e os cuidados tomados, pois estamos iniciando uma coluna de usos de enteógenos.

Um abraço

Atividade na mente disse...

Caro fernando
Gostaria que enviasse um link para o Mckenna, para poder ler seus escritos, mas está muito bom este post, e eu conheço a site dos cogumelos mágicos que realmente é muito bom. Parabéns.

Fernando Beserra disse...

Falai Atividade da mente,
Tudo bom:

Tem o Mckenna no deoxy:

http://deoxy.org/mckenna.htm

Site que fala muito sobre ele, com vários videos:

http://64.233.163.132/search?q=cache:Rc0Ix7NUjhgJ:www.plurall.com/blogs/ayaka/2009/02/conheca-terence-mckenna/+Terrence+Mckenna+%22alimento+dos+deuses%22+download&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

E finalmente o "Alimento dos deuses" para download:

http://www.4shared.com/file/99066407/e86b4b8e/O_alimento_dos_Deuses_Terence_MacKenna.html

Boas leituras =)

Anônimo disse...

Respeito o uso de "plantas de poder" incluindo o cogumelinho Psylocibe.
Mas... a relação dos alucinogenos como fatores importantes na evolução humana como cita o texto, está bem errado. Em termos biológicos, a linguagem e a consciencia humana estão vinculadas à evolução do cérebro. A gradual evolução de nossa capacidade de nos comunicar foi fundamental para nossa sobrevivencia. Isso nao tem nada a ver com uso de alucinogenos. Podemos sim relacionar o uso destas plantas com "evolução cultural", ou tb relacionar com "evolução da criação de mitos, religiões" etc. Aí sim. Evolução biologica se baseia principalmente nos mecanismos mutação, seleção natural e seleção sexual.
Ricardo.

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