sábado, 10 de dezembro de 2011

por Fernando Beserra (Via Portas da Percepção no Hempadão)


Como não saiu o vídeo do Portas da Percepção diretamente das Portas da Redação do Hempadão, que ficará para outra semana, seguimos firmes e fortes no trabalho de ampliação da consciência e transformação de nós mesmos e do mundo. Mas, caros irmãos, entre os psiconautas – termo cunhado por Ernst Junguer para os viajantes de múltiplas realidades através do uso de psicodélicos – não há tanto consenso assim sobre os modos de alcançar algumas metas, ou mesmo se estas metas são as mesmas para todos.


Foi pensando nisso que comecei, ainda como brincadeira, uma tipologia. Se olharmos hoje para o que já chamei aqui nestas bandas de “Movimento Psiconauta” veremos não um movimento, mas uma pluralidade de enraizamentos, que sequer sabemos em que medida guardam traços em comum além da pesquisa dos psiquedélicos ou enteógenos.

De modo geral, a meta de ampliação da consciência através do acesso a estados alternativos de experiência parece algo que, exceto em alguns usuários recentes de LSD em raves, ou curiosos, marca a psiconautíca de modo bastante abrangente, embora não total. Os “Psiconautas da Estrada” (On the road), influenciados muitas vezes pelo contraculturalismo que adveio das raves, e mesmo do seio do movimento psicodélico, a exemplo de Timothy Leary, Aldous Huxley eTerence Mckenna, parecem menos adaptados ou adaptáveis a status quo da sociedade burguesa, com toda a pompa do orientalismo e da liberdade de pensamento, não se localizando dentro nem de usos rituais de enteógenos, nem de fortes estudos acadêmicos. Nem por isso estão livres de claras relações de poder como a visão ingênua de que “quanto mais melhor”, isto é, quanto maior o número de substâncias utilizadas e maior controle “alquímico” da preparação e mistura de substâncias, melhor e mais desenvolvido o individuo, ou, pelo menos, mais cultuado. Por vezes, ao conversar com estes psiconautas têm-se a impressão que o foco não é a ampliação da consciência, mas a liberdade, diversão e amplificação da sensação, a exemplo do que ocorre no uso do ecstasy. Para a maioria dos psiconautas “on the road” o uso de psicodélicos é essencial para qualquer um que queira falar sobre o tema, isto é, se um pesquisador quiser falar sobre psicodélicos e não fizer uso do mesmo, será imediatamente desclassificado, desqualificado.


Em outro lado do espectro que chamamos da pluralidade psiconáutica, encontramos um movimento religioso, ou melhor, de grande religiosidade, e que procura através dos enteógenos o contato estrito e imediato com as realidades extra-ordinárias, espirituais e simbólicas. As pessoas envolvidas com estas práticas são geralmente mais ordeiras, embora isso não seja regra, e menos inclinadas a desafiar a sociedade. O objetivo normalmente é mais, através da modificação de si, do encontro com o Cristo Interior, com o Atman-Purusha, com o SAGA (Santo Anjo Guardião), com o Tao, com o Si-Mesmo ou como queiram chamar, alcançar um estado de graça que irradie para a sociedade mais ampla, levando a sua transformação de tabela. Ou seja, modifique as pessoas e modificará o meio. Existe um enorme universo religioso no Brasil, especialmente as religiões que usam a ayahuasca como sacramento, a exemplo da Barquinha, Santo Daime, Cefluris, etc. Algumas também bebem das influencias da psicologia transpessoal e/ou junguiana, ou mesmo de um orientalismo ou de outras religiões (p.ex, afrobrasileiras) que possuem uma tradição do uso do êxtase para o alcance do sagrado.


Ainda um terceiro movimento com bastante força no Brasil é o que chamei, talvez forma inapropriada, de “Acadêmico-experimental”. Para os partidários do estudo acadêmico dos enteógenos/psiquedélicos não é fundamental o uso dos mesmos para o estudo de desenvolvimento teórico, embora possa mesmo ser desejável. Existe um movimento forte no Brasil de estudo acadêmico com forte base anti-proibicionista e que tem influenciado de forma decisiva as políticas sobre os enteógenos. A influencia teórica recai não apenas sobre estudos recentes quanti ou qualitativos e com metodologias claras e rigorosas, mas também voltado a autores clássicos como R.G.Wasson, R.E.Schultes, J.Ott, Dennis Mckenna, A.Escohotado, R.Metzner, etc.. Procura-se abordar os enteógenos de diferentes dimensões como histórica, antropológica, neurocientífica, psicológica, etc., mas rompendo com os estigmas produzidos por etnocentrismos e ideologismos que embasavam e ainda embasam a visão de muitos teóricos.


Não vamos adentrar aqui, mas é possível ainda identificar um quarto movimento, muito mais estranho. É um fundamentalismo ayahuasqueiro bastante contraditório, que utilizando um enteógeno, vai contra o uso de qualquer outro, e, por vezes, mesmo do próprio enteógeno utilizado pelo movimento. Enquanto os três movimentos tem características claramente positivas, seja pela liberdade de criação, estudo rigoroso, aplicabilidade política (reforma de leis proibicionistas), controle ritual (que reduz riscos e amplifica processos de transformação positivos), dentre outros, este quatro movimento parece viver pela negatividade, procurando se organizar contra a liberdade religiosa e política.


Este é apenas um embrionário mapeamento. E você leitor, consegue identificar mais outras direções psiconauticas, em especifico no Brasil? Não procuramos com este primeiro mapa, que não deve ser confundido com o território, enquadrar as pessoas. Na realidade encontraremos pessoas que não se enquadram a nenhum destes moldes ou que vão mais para um ou outro referencial. De qualquer modo, um mapeamento mais preciso ainda é algo por ser construído e estudado.

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