Portas da Percepção: Cultivando Liberdade!
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
por Fernando Beserra
I
Os conservadores alimentam a ideia de que o auto-cultivo, pela proximidade da substância com o usuário, poderia aumentar o uso. Por outro lado, é possível pensar, como já foi pensado, no cultivo de sua própria substância psicoativa como uma forma de estabelecer outra relação com a planta – tratando a substância menos como objeto de consumo e, portanto, estando mais distante da prática do consumismo, o que viria, mais propriamente, a criar usos mais saudáveis. Além do mais, o cultivo de uma planta exige uma enorme paciência e cuidado, o que potencializa no cultivador traços de personalidade e atitude que podem beneficiá-lo tanto em sua vida cotidiana quanto no uso do enteógeno. Sem contar o controle de qualidade da substância que sabemos, por viver nos obscuros tempos proibicionistas, é fundamental.
Em outras palavras, redução de danos.
Mais um fator importante nesta discussão é que a maioria dos enteógenos tem qualidades “anti-craving” e “anti-aditivas”, ou seja, não causam dependência e tampouco fissura. Exatamente por estes fatores os enteógenos têm sido usados cada vez mais em terapêuticas no campo da farmacodependência[1].
No atual momento de nossa história, que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de “modernidade líquida”, as pessoas procuram compulsivamente uma espécie de auto produção, consumindo produtos, estilos de vida, vestuários, para expressar quem são, numa espécie de “vício” da individualização. Neste momento os vínculos coletivos são rarefeitos, esvaziados, ganhando vez a tendência punk do “do it yourself” (faça VOCÊ mesmo), embora moldada pelo consumismo e pela transformação das pessoas em objetos de consumo (reificação). O que importa é consumir modos de estar, sempre modificando a máscara, numa liberdade paradoxal, pois por outro lado, mantemos sempre a própria estrutura do consumo.
Nesta relação social esvaziada, onde a punição/coerção deixa de ser o meio mais eficaz de controle social (o modelo que Foucault chamou depanopticum[2]), há uma diminuição progressiva, internacionalmente falando, das coerções a comportamentos moralmente descriminados. Sem diminuir a importância dos ativismos, que hoje são muito mais especifistas (luta pela legalização da cannabis, pelo feminismo, movimento LGBT, etc) e muito menos estruturais (luta pela alteração da infraestrutura social), o fato é que a maconha e talvez mesmo os princípios ativos dos enteógenos caminhem rumo à legalização, possivelmente comercializada por grandes empresas. A liberdade, neste caso, é ótima, porém relativa. Diferente da liberdade do auto-cultivo.
III
[1] - Confiram o artigo: Estados modificados de consciencia con enteógenos en el tratamiento de las drogodependencias. no site do NEIP (http://www.neip.info/index.php/content/view/2469.html)
[2] - Modelo que Foucault usa o projeto do Panóptico de Jeremy Bentham como metáfora do poder moderno. Neste, que temos o modelo exemplar no caso das prisões, os prisioneiros eram observados integralmente a partir de um centro e pelo alto, portanto, os prisioneiros nunca sabiam quando estavam ou não sendo observados, o que cria uma sensação de sempre estar sendo vigiado sem saber onde se encontra o vigia. Os vigias neste modelo tinham liberdade de locomoção para controlar, enquanto os prisioneiros eram vigiados pela disciplina, rotina e impossibilidade de movimento.
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