quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Enteógenos e Massificação

Fonte: Hempadão


por Fernando Beserra
Não é novidade que vivemos em uma sociedade onde alguns setores procuram nos iludir, através da comunicação de massa, de nossa suposta diversidade. Cada vez mais slogans de liberdade, inclusão e respeito à alteridade são misturados e confundidos na sociedade de consumo, com formas de controles sutis. Propagandas em uníssono travestem suas verdadeiras intenções em novas formas de comportamento cool (maneiro, fodasso). É a antiga expressão tomando vida: “O lobo em forma de cordeiro”. Não se fala do produto, mas se mostra o comportamento desejado, desejável, com a “grife” aparecendo apenas de forma rápida, no fundo, quase de maneira subliminar. Não compre, seja. Nós somos legais, compre! Somos atravessados pela propaganda e pelo fetiche, enquanto à mercadoria é agregado valor. Entretanto, o consumidor, quando passivo, ao registrar e incorporar ingenuamente estes novos modelos de comportamentos, perde o que há de mais essencial em seu ser, seu próprio sentido, o que Jung chamou de “Si-mesmo”, as tradições taoistas de “Tao”, e o misticismo cristão de “Cristo interior”. Como diz o Jesus bíblico em Lucas, ou como o repetiu tantas vezes o anarquista cristão Leon Tolstoy: “O reino de Deus está dentro de vós”. Mas somos tomados de máscaras sociais, personas, que, por vezes tão necessárias, quando identificadas a quem realmente somos, acabam tornadas vampirescas, tornando sombria aquela voz mais própria que agoniza em nossas profundezas.


Não há dúvidas que sociedades totalitárias, mesmo quando travestidas de democráticas, em seus gestos leves e tênues, desejam conquistar cada vez mais fiéis as suas bases. No caso contemporâneo o Deus que se forma e nos deforma é certamente o necessário, mas problemático, dinheiro. Entronamos ainda outro Deus que, assim como o dinheiro e as religiões instituídas, nos impede o contato com a experiência religiosa, eis seu nome: Razão. São séculos de positivismo e racionalismo e, olhe pela janela, o mundo não é um lugar melhor. Ao contrário do que previsto pelos reformadores, infelizmente o iluminismo não iluminou nossa vida, mas a tornou cinza, o cinza da fumaça do céu poluído pelo “progresso” que nunca chega, nem chegará. MP3, MP4, MP5 e BOOM. A tecnologia é muito útil, mas é incapaz de fornecer ou produzir seres humanos capazes de lidar com o potencial destrutivo dela mesma, ao contrário, dentro da cosmovisão positivista só criamos em série, em massa, seres despersonalizados, e acabamos caindo no circulo vicioso: sempre melhorando tecnologicamente e sempre decaindo em nossa imbecilização.

O leitor atento perguntará: mas o que esse cara ta falando? Onde estão os enteógenos? Antes de responder esta pergunta, gostaria de voltar a religião, a pergunta: mas, afinal, o que é religião? Pois trato aqui da religião em seu sentido originário: “religere” que significa uma acurada e conscienciosa observação do que o teólogo protestante Rudolf Otto veio a chamar de “numinoso”. As tradições “religiosas” que defendem a risca seus dogmas se colocam, logo, frontalmente contrários a atitude religiosa, pois sabem com clareza que se seus fiéis olharem de forma acurada para o numinoso, o próprio dogma será transformado. Nas palavras do Papa da contracultura, Dr. Timothy Leary: “É o meu trabalho corromper pessoas jovens com a infecciosa e contagiosa idéia de liberdade individual. É o meu trabalho encorajá-lo e empoderá-lo a pensar por si mesmo e questionar a autoridade”[1]

Todavia, se nos esforçarmos pela contraposição à massificação, nosso comportamento poderá ser tudo, menos somente racional. É preciso que nos individuemos, tornemos aquilo que realmente somos, nossa unicidade última e irrevogável, a realização de nosso mais pessoal e rebelde a toda comparação. Para isso, o caminho é árduo, e a conversa com a nossa voz interior mais do que necessária. Ao olhar numa experiência enteogênica para Deus, para esta realidade numinosa, tão apavorante quanto bela, que nos entorta, nos faz perder as bases, da razão e da irrazão, do em cima e do embaixo, ficamos a imaginar o quão pequeno somos, quanto caminho ainda nos falta para entender o que se passa. Existe ainda uma abertura para uma liberdade incrível, e se pudermos aproveitar essa liberdade com responsabilidade, poderemos ampliar nossa autonomia refletindo positivamente nossa alma no mundo.

Resgatar as antigas tradições de uso das plantas de poder não é banal. Temos uma enorme responsabilidade diante de nós. Quem não quiser segurá-la e fazer parte desta jornada, que retorne a novela das 8, mas jamais conhecerá o oito invulgar e olhará em sua nudez seu defeitos e faltas, suas virtudes e potencialidades, e aproximar-se-á do trajeto único, acausal e indeterminável. O uso de enteógenos certamente não é o único caminho, mas eles são hoje agentes de cura de nossa doença social, mas apenas se formos capaz de integrar as mensagens advindas do inconsciente, se formos capazes de superar ao mesmo tempo o individualismo narcisista e a massificação coletivista. Eis a nossa hercúlea obra, eis a magna obra.


[1] - Its my job to corrupt young people with a contagious infectious idea of individual freedom. Its my job to encourage you and empower you to think for yourself and question authority.

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