sexta-feira, 5 de março de 2010

Psicomiméticos, perturbadores, alucinógenos ou enteógenos?



As substâncias que alteram radicalmente nossa percepção e sensibilidade já foram classificadas de diversas formas, dentre as quais as relacionadas com o efeito psíquico (p.ex, alucinógenos) como às que remetem a classificação ao efeito da substância no sistema nervoso central (p.ex, perturbadoras).

É fato que estas substâncias são, até certo ponto, incógnitas para uma série de pesquisadores que relacionam-se com elas de forma extremamente moralista. Afinal, se estas substâncias não exatamente estimulam o sistema nervoso central (como a cocaína, anfetaminas, etc) não deprimem o sistema nervoso central (como os ansiolíticos, opiáceos, etc.), então, afinal, de que modo agem? O termo “perturbadores” é infeliz; como assim perturbam? Tirando o caráter pejorativo poderíamos dizer então “alteradores”, não é verdade?



Enquanto substâncias que produzem uma série de modificações senso-perceptivas supõe-se que estas substâncias produziriam um efeito de imitação das psicoses, por isso, chamam-nas de psicomiméticos. Para pensar deste modo temos que supor que estas substâncias produzem alucinações ou pelo menos uma desintegração do elo sujeito-mundo, uma dissociação. O termo alucinação, neste caso, é impreciso. Alucinações se referem, no jargão psicopatológico, a distorções na senso-percepção onde não existe o estímulo externo que leva o sujeito a perceber ou sentir determinada percepção-sensação (p.ex, sem que alguém diga alguma coisa a pessoa em questão começa a ouvir vozes dizendo para ela pular no chão e começar a rolar). Para que se caracterize uma alucinação é preciso que falte a noção no sujeito de que aquele fenômeno faz parte apenas de sua percepção, de seu mundo, ou de sua psique e seja interpretado literalmente, ou seja, como realidade consensual. Como a maioria das substâncias psicoativas que tratamos aqui (p.ex, LSA, LSD, Peyote, Salvia Divinorum, Psylocibe, etc) não causa no seu usuário a perda da noção de que usou determinada substância, de que aquele fenômeno pode não ser verdadeiro (no sentido consensual ou intersubjetivo), não podemos caracterizar como alucinação tais estados alterados de consciência. Em termos da psicopatologia, quando muito, podemos caracterizá-los como alucinoses, ou seja, quando não há a perda da consciência crítica do sujeito sobre a realidade dos fenômenos em questão.

Por estas e outras que Antonio Escohotado, figurinha carimbada deste blog, sugere o termo “substâncias visionárias”, já que elas produzem “visões” além da consciência ordinária, sem que estas visões possam ser enquadradas nas categorias psicopatológicas.

Portanto, se o uso destas substâncias não produz fenômenos que poderiam ser caracterizados como uma psicose , ou como a esquizofrenia (psicose típica), então o termo psicomimético perde sua relevância e pode ser observado no seu teor ideológico.

Outro termo sugestivo, só que por outro viés, é “Enteógenos”, que significa aproximadamente “gerar um deus interior” e também tem, evidentemente, pouca clareza científica, tendo sido inclusive considerado “reacionário” por Terence Mckenna que preferira “psicodélicos”. Sua explicação é que o termo leva para um lado teológico ou religioso.

Parece-nos, pelo contrário, que enteógenos vai ao âmago de uma antiga visão pagã sobre estas substâncias e tem sua relevância. Também foi do paganismo grego que uma série de pesquisadores resgataram o termo “fármaco” que é especialmente neutro perto das conotações que foram produzidas em torno de “drogas”, além dos significados incorretos quando generalizados de “entorpecentes”, “tóxicos”, etc.

Sem cair no vislumbre, as classificações de “substâncias visionárias” e “enteógenos” abrem a possibilidade de interpretações positivas para o uso destas substâncias, muito embora, nem sempre seja este o caso. O que parece determinar um uso enteogênico destas substâncias é mais a intenção, o cenário, dentre outros fatores, do que simplesmente as características farmacológicas das substâncias.

Neste sentido enteogenico passa a ser mais uma postura de acolhimento da autonomia e da divindade presente em cada ser humano, numa tentativa de depassar determinados autoritarismos institucionais e fantasmáticos que relegam o homem a mera coisa.

1 comentários:

Schneider disse...

Ótimo texto, parabéns!

Postar um comentário