por Conceição Lemes
Fonte: LUIS CARLOS AZENHA
O que acharia se lesse a primeira manchete na capa de um jornal, e a segunda, no caderno interno?
Pois isso aconteceu nesse domingo, 17 de abril, na Folha de S. Paulo. A vítima da vez: o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), líder da bancada na Câmara Federal.
Curiosamente, na capa, o jornal ressalta: Procurado não deu resposta. Depois no caderno interno, capricha: A Folha fez vários pedidos de entrevista ao deputado desde 16 de março, mas sua assessoria não deu resposta.
Desde 16 de março e a matéria só foi publicada em 17 de abril?! A Folha esperaria tanto?! Nem criança acredita nessa história da carochinha. Repórter quando quer encontrar MESMO uma fonte, acha. E se é de Brasília, onde o deputado passa boa parte da semana, é mel na sopa. E com um mês de lambuja é covardia! Só Freud explica. Ou melhor, só a Folha explica.
“A Folha não me ouviu antes de fazer a matéria”, revela Paulo Teixeira. “O repórter Felipe Coutinho mandou e-mail para a minha assessoria de imprensa, perguntando sobre ‘microtraficantes’. A assessoria avaliou que não deveríamos entrar nesse debate num momento em que precisamos aprovar matérias importantes no Parlamento para a continuidade do processo de crescimento econômico com distribuição de renda. O repórter não disse que faria uma matéria sobre uma fala minha num evento.”
“Curiosamente, o mesmo jornalista ligou no meu celular ontem [domingo] para repercutir. Eu perguntei por que não o fez antes, a exemplo de todos os jornalistas da Folha, que me ligam diretamente no celular. Ele disse que não quis passar por cima da assessoria”, observa Teixeira. “Depois de ver a chamada da matéria na capa e a mobilização dos editores para comentá-la, percebi que a Folha não queria me encontrar, não queria realmente saber a minha opinião. Ela já tinha a matéria pronta, toda editada.”
Pena que o jornal tenha usado esse expediente num tema tão sério, que exige responsabilidade e ética. Afinal, estamos falando de saúde pública. Por isso, resolvi aprofundar a entrevista com o deputado Paulo Teixeira, para colocar os pingos nos is.
Viomundo – Deputado, a Folha cita uma palestra do senhor. É daí que foram tiradas as informações que estão na matéria?
Paulo Teixeira — A Folha teve acesso às informações por meio de um vídeo que foi postado na internet, não sei se com a fala integral ou parcial. De qualquer forma, a matéria não expressa o que eu penso, mostra apenas uma parte, com uma abordagem sensacionalista, parcial, com frases pinçadas de um contexto. Há quinze anos acompanho este tema, em diferentes foros mundiais. Não estimulo o uso de drogas, mas acho que o problema precisa de uma abordagem menos preconceituosa.
Viomundo — Na chamada de capa, a Folha diz que o senhor defende o uso da maconha e ataca o Big Mac, dando a impressão de que estimula o uso. É isso mesmo?
Paulo Teixeira — É uma insinuação inadmissível da Folha. Toda vez que falo sobre a política de drogas, faço questão salientar os prejuízos à saúde e demais danos sociais que a droga pode causar.
Falo inicialmente do álcool, que, para mim, é o problema mais grave da sociedade brasileira. Causa acidente de trânsito, brigas com morte, violência contra mulher. A sociedade brasileira precisa proibir a propaganda do álcool na TV. Em relação à maconha, falo dos riscos à saúde do usuário, da necessidade de prevenir o seu uso. Muitos usuários podem, inclusive, desencadear doenças psíquicas pelo uso.
A realidade atual é gravíssima. Drogas ilícitas são oferecidas à luz do dia. Esse mercado é muito capitalizado. Diante desse quadro, o que fazer para torná-lo menos perigoso? Deixar os usuários consumir substâncias adulteradas? Permitir a crescente capitalização desse mercado?
Minhas propostas são retirar o usuário da esfera penal, descriminalizando o uso e a posse de drogas e esvaziar o poder econômico do tráfico. Em relação ao Big Mac, minha preocupação é estabelecer uma exigência para que os produtos alimentícios informem o teor de gordura, de sódio e gordura trans que contêm.
Viomundo — A Folha diz que o senhor defende o plantio de maconha por cooperativas de usuários. O que falou sobre isso?
Paulo Teixeira — Eu me referi a experiências de Espanha e Portugal, entre outros países, onde o problema foi abordado de uma forma pragmática. No caso da Espanha, o resultado foi importante para diminuir a exposição de usuários à convivência com traficantes e esquemas criminosos. Lá, especificamente, são permitidas cooperativas de plantio formadas por consumidores. Essa estratégia enfraquece a economia da droga.
Em Portugal, os resultados foram muito positivos também. Depois da descriminalização ocorrida há dez anos, diminuiu a violência associada ao uso de drogas, diminuiu inclusive o consumo. Lá o conhecimento por parte da autoridade policial do porte de qualquer droga pelo usuário está fora da órbita criminal e submetido a infrações administrativas, como advertências, cursos, multas, entre outras.
As experiências de Portugal e Espanha são apenas exemplos de estratégias mais pragmáticas. Não sei se servem para o Brasil, porém podem iluminar um novo caminho.
Viomundo – No Brasil, há especialistas que defendem a descriminalização da maconha. As cooperativas seriam o caminho para viabilizar essa proposta?
Paulo Teixeira – Acho importante analisar as estratégias adotadas por outros países e os resultados. A experiência Portugal, que eu acabei de citar, é muito interessante. Ao descriminalizar o usuário, distinguindo-o claramente do traficante, descapitalizou grande parte do mercado de drogas ilícitas em geral. Com isso, ajudou a diminuir a violência associada a esse mercado, com resultados fantásticos em relação à diminuição das doenças associadas ao uso de drogas.
Todos os países estão discutindo a questão das drogas leves, como a maconha, e o Brasil não pode ficar fora desse debate. Há muita hipocrisia. Quase todo mundo conhece alguma história de alguém que se envolveu com drogas. Há casos de pessoas que são apenas usuários e vão parar na cadeia em razão de um flagrante armado ou fruto de uma legislação que ainda está longe da dos países que resolveram encarar o problema de frente.
Viomundo – Nós temos uma epidemia de crack, que é uma droga devastadora, vicia rapidamente… O fato de no momento as atenções estarem focalizadas principalmente nele atrapalha o debate sobre as drogas em geral?
Paulo Teixeira – O crack é uma droga que se desenvolveu a partir do controle das substâncias químicas destinadas ao refino da cocaína. Assim, o crack é o refino da cocaína feito com substâncias muito pesadas e nocivas à saúde. Ele é produto da política de guerra às drogas.
Temos que prevenir o seu uso e tratar os eventuais usuários, o que não é fácil.
Por isso, acho importante que o tema das drogas seja discutido à luz do dia para que não cheguemos a esse absurdo que é o crack. É uma questão de saúde pública.
Viomundo — Drogas devem ser assunto de saúde pública ou de polícia?
Paulo Teixeira – O uso de drogas não pode ser assunto de polícia. Deve ser unicamente de políticas públicas.
Insisto: o usuário deve ser tratado fora da esfera penal. Isso ajuda a mudar de mãos quem cuida do assunto. Em lugar da polícia e dos traficantes, teremos a família, a escola, as atividades culturais e esportivas e a saúde para cuidar dos usuários.
Viomundo – O senhor acompanha a discussão sobre as drogas há muito tempo. O que acha da nossa da legislação?
Paulo Teixeira – Realmente, é um tema, que me preocupa muito e trato bastante. Já participei de conferências no Canadá, nos EUA, no México, em vários países da América Latina, Europa e Ásia e em vários estados brasileiros. Acho que precisamos rever rapidamente a legislação brasileira.
Viomundo – O modo de o Brasil combater as drogas está dando certo?
Paulo Teixeira — Nossa política sobre drogas é um entroncamento das políticas norte-americana e europeia. Temos muitos problemas, principalmente carcerários. Há uma grande massa de presos, que são pequenos infratores enquadrados na lei de drogas. Segundo os estudos, o perfil desses presos é o seguinte: réus primários, agiram sozinhos e sem emprego de armas. Os presídios são locais privilegiados para organização da violência no país. E esses presos, pequenos infratores por causa de drogas, são recrutados para ações criminais mais danosas à nossa sociedade.
Viomundo – Que outras consequências acarretam essa forma de se lidar com as drogas?
Paulo Teixeira — A nossa realidade é preocupante em relação ao abuso de drogas. Temos um foco na repressão, que consome grande quantia de recursos e que dilui os esforços das forças de segurança no combate ao pequeno delito de drogas, impedindo que as ações se concentrem no crime organizado. Diante disso, não conseguimos diminuir o número de usuários. A aquisição dessas substâncias dá-se no mercado ilegal, resultando em perigos de todos os tipos. Como ainda está sob a lei penal, o usuário tem risco permanente de uma abordagem desproporcional da polícia.
Viomundo – A atual política está conseguindo prevenir o uso de drogas?
Paulo Teixeira – De acordo com estudos publicados, o consumo de drogas no Brasil aumenta a cada dia.
Viomundo – Estados Unidos ou Europa, qual a melhor direção?
Paulo Teixeira — A política de guerra às drogas é hegemônica no mundo. O Brasil desenvolve políticas mais criativas em comparação aos EUA. A Europa tem conseguido resultados muito mais favoráveis com a política de redução de danos. Creio que essa é a direção mais correta.
Redução de danos é uma estratégia que busca prevenir o uso de drogas, mas atende o usuário na perspectiva de conseguir resultados progressivos para a saúde e a vida social dele enquanto ainda estiver nessa condição. Educar para evitar que seja infectado pelo vírus da Aids, da hepatite. Educar também para evitar overdose, perda do emprego, de vínculos sociais. Essas são estratégias da política de redução de danos.
Oferecer tratamento para a superação do uso e tratar das motivações que levam o usuário ao abuso são outras estratégias dos programas de redução de danos.
Viomundo — Como deveria ser a política de combate às drogas?
Paulo Teixeira — Defendo uma política democrática, com livre circulação de informações, prevenção, melhor distribuição de renda, educação, cultura e lazer. Ampliar os horizontes das pessoas.
Em relação às drogas, temos de convencer os jovens sobre a repercussão em sua saúde pelo uso ou abuso. Buscar promover espaços para o fortalecimento político da nossa juventude, para que exerçam plenamente a sua cidadania. Temos de buscar convencê-los a não usar drogas. Mas, caso usem, evitar o abuso e maiores danos à sua saúde e à sua vida. Mas, antes de tudo, é preciso convencê-los e apoiá-los.
Viomundo — A matéria diz que o senhor tem uma visão diferente da presidenta Dilma. Seria uma forma de intrigá-lo e dificultar a sua posição como líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados?
Paulo Teixeira — Tais posições são exclusivamente minhas. A presidenta está concentrada no assunto, acelerando a atenção aos usuários, aumentando os leitos hospitalares… Esse esforço terá resultados positivos. Noutra ponta do tema, o governo vem aumentando a eficácia das ações contra o crime organizado. Não tenho divergências com a presidenta Dilma Rousseff . O repórter tentou usar a questão como fonte de potencial intriga, mas se esqueceu de que tanto a presidenta como eu estamos preocupados com a questão das drogas.
Viomundo — Para finalizar, o que o senhor diria aos pais?
Paulo Teixeira – Não adianta a gente enfiar a cabeça no buraco, fazer de conta que as drogas nunca vão afetar os nossos filhos. Talvez muitos pais não saibam, mas cada vez mais as drogas são adulteradas, ficando ainda mais perigosas à saúde. Sabem que têm essa informação? Os traficantes. Sabem nas mãos de quem os jovens usuários estão hoje em dia? Nas mãos dos traficantes e da polícia.
Se quisermos mudar o rumo das coisas, temos que começar a discutir essa questão às claras, sem hipocrisia nem preconceito.
Sou pai de seis filhos. Eu e a minha esposa sempre proporcionamos ambiente aberto para dialogar com nossos filhos. Sempre que eles tiveram crises de adolescência, paramos tudo para cuidar deles. Valorizamos suas iniciativas. Sou vinculado à Igreja Católica em São Paulo. Para a construção das minhas posições, consultei teólogos, bispos, padres e leigos na área religiosa. Construí minhas posições ouvindo também médicos, sociólogos, políticos, antropólogos, cientistas sociais e demais profissionais. Aconselho a todo o pai o diálogo.
1 comentários:
A Folha é porca.
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