terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Resposta a Dilma Rouseff


A revista época entrevistou Dilma Rousseff, dia 20/02.
Link para matéria completa no Growroom

Eu copio abaixo a parte referente as "drogas" e abaixo uma discussão introdutória.

Revista Época - 20/02/2010

TRECHO SOBRE MACONHA E OUTRAS DROGAS

ÉPOCA – Como a senhora vê a descriminalização das drogas?

Dilma – A droga é uma coisa muito complicada. Não podemos tratar da questão da droga no Brasil só com descriminalização. Estou muito preocupada com o crack. O crack mata, é muito barato, está entrando em toda periferia e nas pequenas cidades. Não vamos tratar o crack única e exclusivamente com repressão, mas com uma grande rede social, que o governo integra. Há muita entidade filantrópica nas clínicas de recuperação. A gente tem de cuidar de recuperar quem já está viciado e cuidar de impedir que entrem outros. Tem de cuidar também para criar uma política de esclarecimento sobre isso. Não acho que os órgãos governamentais, Estado, municípios e União, vão conseguir sozinhos. Vamos precisar de todas as igrejas e entidades que têm uma política efetiva de combate às drogas. A questão da droga no século XXI é muito diferente daquele tempo de Woodstock, que tinha um componente libertário.

ÉPOCA – A senhora é a favor da repressão mesmo no caso de drogas leves, como a maconha?
Dilma – Não conheço nenhum estudo que comprove que a droga leve não seja o passo para outra. Esse é o problema. Num país com 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, é complicado falar em descriminalização, a não ser que seja para fazer um controle social abusivo da droga. Não temos os instrumentos para fazer esse controle que outros países têm. A não ser que a gente tenha um avanço muito grande no controle social da droga, fazer um processo de descriminalização é um tiro no pé. O problema não é a maconha, mas é o crack. O crack é uma alternativa às drogas leves, médias, pesadas. Não é possível mais olhar pura e simplesmente para a maconha, que não é um caso tão extremo nem tão grave.

Reflexões:

De modo geral o pronunciamento de Dilma sobre as “drogas” é catastrófico e mostra um tipo de continuidade com as medidas repressivas inaceitáveis, especialmente quando um número cada vez maior de paises tem adotado estratégias de descriminalização com resultados positivos, com o caso de Portugal e, considerando políticas de drogas ainda mais antigas, podemos citar a Holanda. Estudiosos do tema, que poderiam servir de referência para superar a incompetência política de nossos governantes, já que trazem a complexidade da questão, dados históricos e culturais, como Antonio Escohotado, são francamente ignorados.


Vamos aos comentários da candidata à presidência Dilma Rousseff.



Dilma afirma:


“A droga é uma coisa muito complicada. Não podemos tratar da questão da droga no Brasil só com descriminalização”.


Tudo bem, Dilma, eu diria que a fenômeno do consumo de substâncias psicoativas é complexo, mais do que complicado. E isso mesmo em termos de saúde pública. De fato, tratar a questão da “droga” só com descriminalização não é suficiente. São urgentes políticas de saúde, e isso não é ficar aumentando número de internações, mas fazer uma política de redução de danos séria, no território, intersetorial, integral, bem articulada, desenvolvendo as bases do SUS. E, melhor do que a descriminalização, seria atingir a “Guerra as drogas” em cheio, com políticas de legalização bem coordenadas. No entanto, dizer que a descriminalização é insuficiente não significa negá-la.


E Dilma prossegue:


“Estou muito preocupada com o crack. O crack mata, é muito barato, está entrando em toda periferia e nas pequenas cidades. Não vamos tratar o crack única e exclusivamente com repressão, mas com uma grande rede social, que o governo integra. Há muita entidade filantrópica nas clínicas de recuperação. A gente tem de cuidar de recuperar quem já está viciado e cuidar de impedir que entrem outros. Tem de cuidar também para criar uma política de esclarecimento sobre isso”.


Estamos todos preocupados com a situação de miséria de uma ampla parte da população brasileira e, neste contexto, o consumo do crack. O “problema do crack” não é apenas farmacológico, é de forma muito mais radical um problema social. Para tratar de fato do crack, é preciso pensar tanto em políticas sociais, de forma a articular atores sociais, mas também superar políticas de “guerra as drogas” que permanecem fortalecendo o estigma sobre o usuário de crack, É o caso de propagandas que visam produzir medo e que são comprovadamente pouco funcionais (cf. Panorama Atual de Drogas e Dependências) diminuindo as chances do usuário ou do dependente de se re-integrar socialmente. Portanto, se a guerra as drogas é uma guerra de antemão perdida, é melhor que nos foquemos nos danos produzidos pelas substâncias, pela situação de estigma, pela marginalidade e miséria, mais do que em aspectos morais, mesmo que sob o título de “dependência”.


Lembremos que o crack foi um produto da política proibicionista dos EUA, política esta que, com estas palavras, a senhora quer encabeçar no Brasil. A culpa do crack, portanto, é em primeiro lugar de pessoas que tem este tipo de posicionamento proibicionista.


E novamente as palavras de Dilma:


“Não acho que os órgãos governamentais, Estado, municípios e União, vão conseguir sozinhos. Vamos precisar de todas as igrejas e entidades que têm uma política efetiva de combate às drogas. A questão da droga no século XXI é muito diferente daquele tempo de Woodstock, que tinha um componente libertário”.


Ora Dilma, criar uma “política efetiva de combate as drogas” é ilusório. A política de “combate” as drogas, essa guerra interminável é insuficiente. Peguemos como exemplo a situação do ópio no século XIX, na China tornou-se ilícito produzir e consumo ópio durante um determinado período, enquanto na Índia manteve-se lícito. O combate as drogas chinês produziu um grave problema de saúde pública, com um grande número de “dependentes” de ópio, usuários que não tiveram auto-cuidado com seu uso, tendo uma série de problemas em decorrência deste uso, por outro lado, na Índia, enquanto o número de consumidores era proporcionalmente um pouco maior, não havia sequer um “problema do ópio” e seu uso era bem regulado. Outro exemplo: da cannabis. Na Holanda que desde 1976 permite a venda regulada de maconha e haxixe o aumento do uso foi inferior a outros paises europeus. Nas palavras de Ernst Buning, que acompanhou estes 30 anos da inovação da política de “drogas leves” holandesas:


O interessante é que a existência dos coffeeshops na Holanda não trouxe um consumo mais elevado de cannabis do que nos países ao redor. O consumo regular de cannabis no EUA é duas vezes mais elevado que na Holanda. Isto prova que a disponibilidade das drogas é somente um fator para que as pessoas tomem a decisão de usar drogas ou não.


E, afinal, da onde Dilma tirou essa idéia de “Woodstock”. É claro que é diferente, mas e daí? O que isso quer dizer afinal? Se a dona Dilma quer saber, o consumo de substâncias psicoativas, embora não de forma massiva, continua tendo por setores da sociedade um caráter de resistência e também um viés libertário, mas isso é outra história.


As palavras de Dilma retornam para o desconforto de nossos ouvidos:


“Não conheço nenhum estudo que comprove que a droga leve não seja o passo para outra. Esse é o problema. Num país com 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, é complicado falar em descriminalização, a não ser que seja para fazer um controle social abusivo da droga. Não temos os instrumentos para fazer esse controle que outros países têm. A não ser que a gente tenha um avanço muito grande no controle social da droga, fazer um processo de descriminalização é um tiro no pé.”


Então, se não temos como fazer um “controle social abusivo”, senhora Dilma, como pretendem controlar o álcool, o tabaco, o açúcar, o chá e o chocolate, além de uma série de “drogas” usadas como medicamentos que são muitas vezes mais fortes que as tornadas ilícitas? Será a solução, já que não dispomos de um enorme arsenal de controle, proibirmos os assim chamados medicamentos, o álcool, o tabaco, o açúcar, etc? Sabemos que se isto fosse feito a sociedade como um todo não permitiria tamanho absurdo, de modo que a não descriminalização é um tiro no pé apenas da senhora e dos reacionários de plantão.


Todos os estudos relevantes, Dona Dilma, mostram não haver dados suficientes para comprovar a teoria gateway ou porta de entrada, pelo contrário, esta teoria tem sido sistematicamente desmistificada.

- Vídeo sobre o assunto (Planejadora da Política da Cannabis):


Seria interessante dizer onde viu tais estudos que as drogas leves (que diabos são estas drogas leves?? Café? Ibogaine?).


E eis nossa senhora para fechar seu próprio caixão em termos de políticas de drogas:


O problema não é a maconha, mas é o crack. O crack é uma alternativa às drogas leves, médias, pesadas. Não é possível mais olhar pura e simplesmente para a maconha, que não é um caso tão extremo nem tão grave.

Ok. Realmente o crack, ou melhor, a realidade miserável em torno do consumo de crack, é muito mais preocupante, em todos os sentidos, que o consumo de cannabis. Mas por causa disso vamos deixar os usuários de cannabis a mercê da criminalização, especialmente se forem pobres (tratados como traficantes), ou sendo desrespeitados por forças policiais que deveriam protegê-los? Isso vale para os usuários de crack também, que devem ter seus direitos assegurados. Se o problema não é maconha, dona Dilma, então porque não legalizar ou descriminalizar? A senhora está um pouco confusa, não disse que o problema era nossa enorme juventude e que as drogas leves levavam as pesadas? E agora diz que o problema não é a maconha (droga leve), mas o crack (droga pesada)? Parece que seu discurso está um pouco confuso...


... Depois de tamanha confusão, resta um pouco de explanação:


Dona Dilma, assim não dá, eles tão ganhando dinheiro e vendo o povo se matar!

E por que não legalizar?

2 comentários:

Flavio Valente disse...

A questão da política de drogas nunca vai ser tratada com a seriedade que merece numa campanha eleitoral. Em uma sociedade (mídia) conservadora como a nossa, os nossos políticos vão sempre se preocupar em antes jogar para a plateia do que dizer o que realmente pensam (não quero dizer que a Dilma não pensa isso que ela falou). Veja o exemplo do Gabeira, que sempre foi identificado com a causa, mas na última campanha a prefeito, a renegou. Enfim, não adianta esperar que os nossos políticos tomem alguma atitude em relação a esse assunto, é preciso o esclarecimento e a mobilização da sociedade para forçar mudanças que eles nunca terão coragem de propor.

Fernando Beserra disse...

Estou completamente de acordo Flavio. Acredito que a descriminalização e a legalização deverão vir por pressão popular, assim como de pesquisadores e academicos.

A Dilma, e especialmente o Gabeira, são exemplos disso.

E é justamente nesse sentido que se faz necessária a denuncia destes conteúdos ideológicos de direita nos discursos de quem seja.

É preciso tentar reverter essa situação terrível tanto para usuários como não usuários de substâncias ilícitas colocadas pela guerra as drogas. E isso, seja com qual governo esteja a frente... (um bom exemplo é nos EUA o caso do Scharzenegger, mesmo sendo de extrema direita considera a legalização por questões economicas).

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