domingo, 12 de junho de 2011

Entrevista com Antonio Escohotado - PARTE I

Entrevista com Antonio Escohotado, parte I de II.


Tradução: Fernando Beserra
Fonte em espanhol: La paradoja de la percepción




Conselho do Avô Psicodélico



                                   
Antonio Escohotado, autor de Historia General de las Drogas e um dos homens que mais tem estudado o tema de sua ilegalidade fala com LOFT sobre tudo o que não está bem com o sistema, prediz o futuro das drogas e comparte suas aventuras no mundo da inspiração narcótica.




Antonio Escohotado é um professor de filosofia e metodologia das ciências sociais na Universidade Nacional de Educação a Distância em Madri, que escreveu os três tomos sobre a história geral das drogas. Neste ano acabam de compilar suas três obras em um só tomo de 1542 páginas. Seu trabalho se converteu em um dos recursos de informação mais usados pelos interessados na temática das drogas. Escohotado é um avô psicodélico da Espanha, o que mais sabe sobre o tema, o que provou tudo e conservou a sanidade para nos contar. Um sábio para muitos, um charlatão para outros. Até de perigoso foi catalogado. E se o é, é porque suas idéias são convincentes e porque vão contra muitas das posturas dos policemakers dos últimos tempos em relação à regulação das drogas. A seus 62 anos, Escohotado segue usando a heroína para inspirar-se e o tabaco para viver. Em vez de palavras etéreas e argumentos descabelados (como poderia esperar-se de um veterano heroinômano) Escohotado utiliza sua dicção sofisticada e uma razão contundente para expressar sua crítica a forma em que é percebido atualmente o problema das drogas. Sua mente é audaz, perspicaz e, sobre tudo, prolífica. Tem escrito vários ensaios com matizes antropológicas e filosóficas. Entre eles “Realidade e substância”,”Da physis a polis”, “Majestades, ccrimenes y victimas”, “El espiritu de la comedia” – que foi celebrado com o “Premio Anagrama de Ensaio-“, “Rameras y esposas” e “La cuestión del cáñamo”. Com LOFT compartilhou sua doce maneira de ver o mundo.




Existe hoje algum problema com as drogas que não existia antes à humanidade?


Talvez o da sobre-abundância, porque por cada substância psicoativas antiga, hoje podem haver milhares. Isto cria, desde um ponto de vista positivo, muito mais meios para controlar e dirigir seus sentimentos e suas percepções, e, por outro lado, muito mais alarme social. É como o medo que podia gerar a aparição do livre pensamento no século XVII.




Por que se dá essa super-abundância?


Pelos pacientes trabalhos de síntese química que se fizeram paralelamente a cruzada contra as drogas, as bruxas, os bruxos e os feiticeiros possuíam os depósitos do saber ecológico antigo, e embora tenham sido esmagados pela erupção do monoteísmo, como vocação universal – o brahmanismo, o cristianismo e logo o islã – seu saber acumulado nunca foi destruído. Permaneceu em bibliotecas e coleções privadas. Quando a cruzada contra os bruxos começou a ceder, a finais do século XVII, praticamente todos os recursos que tinham os feiticeiros herboristas passaram a ser medicinas honoráveis. As farmácias e o que agora conhecemos como boticas, se desenvolveram enormemente a meados do século XVII. Desde então o arsenal farmacológico da humanidade iniciou um contínuo crescimento, que desemboca em descobrimentos como o do MDMA ou êxtase, por Alexander Shulgin, a quem conheço muito. Shulgin é um gênio igual o seu pai. Sabem o que nada sabem os químicos. Eles se juntam e saem com um pó que se o tomas a vida se modifica. Isso é magia. Potagia!




            Seu livro retoma o que é importante para a disseminação das drogas, a relação entre religião, magia e medicina. E como nas culturas xamanicas é onde se inicia a distribuir a droga. Mas esta distribuição se faz com uma técnica e buscando um fim, o êxtase espiritual mais ou menos...




            Sim, e com marcos rituais muito, muito fechados. Inclusive as pessoas juram não dizer o que foi que finalmente os deram, como foi e o que sentiram. Essa é a famosa reserva mística. É evidente que esse sentido místico foi perdido na cultura das drogas. As drogas proibidas se usam hoje com fins lúdicos.




Isso é parte do problema?


            Não. As drogas que são tomadas por razões lúdicas, recreativas ou de conhecimento, digamos de introspecção, é um correlato. O que se passe no terreno das drogas é algo mais básico ainda, que é a secularização. O que está em crise é o dogmatismo e a religião leviana (religión ligera).


            Antes, o que havia eram coleções de súditos, e as drogas se tomavam em funções de suas metas. Mas já não queremos o “mais além”, já não queremos o céu. Estamos conformados com esta vida. Não estamos dizendo, como Santa Teresa, “tão alta vida espero que morro, porque não morro”. Como queremos esta vida, tomamos drogas para poder controlarmos melhor, para ser capazes de trabalhar melhor, para ser capazes de entendermos e entender aos demais, para desfrutar. Tudo isso é novo, porque já não há o contexto mítico ritual que obrigava as reservas místicas. Em um mundo secularizado não esperamos tanto.




Crê que as drogas ilícitas, tal como se usavam no Ocidente, cumprem uma função cultural significativa?




Para a juventude são o autentico rito de passagem, a cerimônia de amadurecimento, social e individual. Para as pessoas de 40, 50, 60 anos – muitos deles prisioneiros dos psicodélicos anos 60 – são uma reiteração de costumes. Mas para os jovens são uma maneira de por-se a prova social e individualmente. E isso ocorre em todo o planeta. Na Tailândia e no Vietnam existem festas raves com uma periodicidade comparável as de Londres ou Montreal. E nas capitais do Amazonas também há raves, com DJ´s com pastilhas e com turistas dos quatro cantos do mundo.




Isso lhe dá algo de valor a cultura ou é simples decadência?
            Decadência há no despotismo e no dogmatismo, porque reduzem a realidade, porque nos dão um mundo abreviado como se fosse um mundo real. No mundo das drogas não há decadência. O que se passe é que entre os usuários de drogas, como entre os usuários de carros ou de jogos de azar, há um setor que é adictivo por natureza. A técnica é neutra. Tudo o que o engenho humano descobriu é neutro em si mesmo. Somos nos mesmos os que, dependendo da pessoa e ocasião, sacamos as coisas de sua neutralidade e as fazemos boas ou más.




Que de bom existe no consumo de drogas não prescritas por parte dos jovens?




            Aprofundar-se na regra do conhece-te a ti mesmo, que segue o princípio socrático, o princípio da ética. É esse o rito de maturação das sociedade ocidentais avançadas a princípio do século XXI. Na prática se vê se ele tem bom ou mau gosto, se se controla ou não se controla; se debaixo de sua aparente educação esconde um monstro autoritário, rancoroso ou deprimido, ou se pelo contrário, tem – como diria Freud – um “isso” (quer dizer, um inconsciente) são e capaz de desfrutar. As drogas brindam a condição humana mais controle, mais capacidade de enfrentar aos desafios da vida. Quando chega a proibição também chega o álibi vitimista que permite as pessoas dizerem essa grande falsidade: “Oh, eu não queria, mas sem dar-me conta me fiz escravo e agora sou um pobre destroço humano. Me permito roubar a meus concidadãos e não cumprir minha palavra”.




Crê que todas as drogas deveriam ser lícitas?


            Homem, claro! Isso é evidente. Há que drogar a proibição. Legalizar as drogas me soa tão disparatado como legalizar o gosto pela pintura, o passear ou ler. Não se pode legalizar uma atividade humana que é um direito civil imemorial. A meu juízo se há feito uma lei, para certas metas, igual se fez a lei seca nos Estados Unidos. Ao cabo de um tempo, foi mais contraproducente do que producente. Digamos que temos feito um experimento com a proibição, e esse experimento falhou.


            Na Europa, a guerra as drogas terminou faz pelo menos fez anos. Qualquer um, praticamente, sem nenhum risco, sempre e quando seja para seu próprio uso, pode conseguir toda a droga que lhe dê seu dinheiro e nunca vai tocarem um quartel ou na polícia. E há muitos mais pontos de venda de drogas ilegais que se se vendessem, como antes, nas farmácias e nas herboristerias. Nos tempos da Roma imperial haviam 900 tendas que vendiam ópio, além de outras substâncias. Mas, agora, em Madri ou em Nova York há de 45.000 à 80.000.




Se de todas maneiras as pessoas podem conseguir, o que há de negativo com a proibição?


Não tem tanto de negativo. O que faz é criar um fenômeno mundial de desobediência civil e portanto de recuperação das essências cidadãs. As pessoas têm se dado conta de que as leis não estão para proteger-nos de nos mesmos, senão para proteger-nos dos demais. Portanto, uma lei como a proibição das drogas, que pretende defender-nos de nos mesmos, é uma usurpação e um absurdo, pura corrupção do direito. Digamos que a proibição têm tido o efeito positivo de gerar desobediência civil, que serve para nos dar a sensação e a certeza de que não somos súditos, de que somos cidadãos.



E o que dizer do argumento segundo o qual a droga nos faz irresponsáveis e perigosos para os demais cidadãos?






É uma profecia auto-cumprida do inquisidor farmacológico. Até a proibição que inicia nos Estados Unidos a princípios do século XX, não existia praticamente o conceito de vítima involuntária das drogas. A partir da proibição que colocou milhares de médicos e farmaceutas no cárcere, por que não queriam se curvar as ordens do Executivo, criaram algumas pessoas que vivem neste álibi. Agora as drogas te dão álibi para não fazer nada em absoluto, para ser uma merda com sua família, com seus amigos e com os demais. És um farsante, um iludido, mas quem tem dado os argumentos e a base para comportar-se assim tem sido o que tem proibido as drogas e as pôs a consigna de engendro demoníaco.



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