terça-feira, 6 de abril de 2010

Algumas considerações sobre a Ipomoea Violacea


Algumas considerações sobre a Ipomoea Violaceae


Contexto histórico


Substâncias enteogenicas são utilizadas desde os tempos mais remotos, sendo plausível a hipótese mesma de que os deuses tenham sido criados no contexto do efeito destas plantas, fungos ou outros agentes enteogenicos. Mas nem sempre elas foram vistas com bons olhos. Consideradas, tantas vezes, alimentos dos deuses por xamãs ou pajés, após o advento do cristianismo e sua institucionalização a grande maioria destas substâncias foram consideradas frutos do diabo e seus usuários perseguidos, assim como suas culturas. Vale a pena um relato sobre o consumo do ololiuhqui no tempo da colonização européia:


“É notável a grande fé que estes nativos têm na semente (...), a consultam como um oráculo para inteirar-se de muitas coisas, especialmente aquelas em que a mente humana não pode penetrar (...) Consultam isto através de seus enganosos doutores, que praticam a ingestão do ololiuhqui como uma profissão (...) Se um doutor que não bebe ololiuhqui deseja liberar de algum mal um paciente o recomenda que tome esta bebida (...) o doutor determina o dia e a hora em que deve tomar-se a bebida e estabelecer a razão pela qual o paciente deve bebê-lo”.[1]


O uso das chamadas “plantas do poder” por povos indígenas se deu numa firme associação entre uso “medicinal” e uso religioso, já que em tais comunidades esta separação, tipicamente ocidental, muitas vezes não era estabelecida. Foi comum também, entre várias comunidades indígenas, o uso de “onirogenos”, produtores de sonhos, ou efeitos similares aos dos sonhos.


Muitas plantas de poder foram utilizadas em ritos dos povos que habitavam o país hoje conhecido como México. Richard Evan Schultes e Albert Hofmann situam a América Central e o México dentre os lugares mais ricos do planeta na presença de plantas enteógenas. Entre os povos usuários destas plantas, podemos citar os Mazatecas, que usavam em alguns de seus ritos o ololiuhqui (semente da Rivea Corymbosa), a ska-pastora ou salvia divinorum e o badoh negro (semente da Ipomoea Violaceae). A verdade é que os povos da América Central e sul da América do Norte conheceram centenas de substâncias psicoativas utilizadas em ritos, dentre elas, foram fundamentais pelo menos estas:


- Peiote (que contém como princípio ativo a Mescalina)

- Badoh Negro (que contém LSA)

- Ololiuhqui (que contém LSA)

- Teonanácatl (que contém psilocina e psilocibina)

- Salvia Divinorum (que contém salvinorina a)




Diante da perseguição dos cristãos a estas plantas, os europeus ficaram de tal modo escandalizados com suas utilizações, que sequer tivemos relatos de muitos de seus usos pelos europeus, diferente, p.ex, do uso do tabaco que logo se popularizaria, não sem uma resistência da Igreja. As substâncias consideradas estimulantes, desde o tabaco, passando pela cafeína, teobromina (do chocolate), até a coca foram mais aceitas do que as consideradas erroneamente pela ciência ocidental como “alucinógenas”. A Europa já tinha alguma experiência com algumas destas substâncias, embora de qualidade bem diferente destas encontradas no “Novo Mundo”, no uso pelas chamadas “bruxas”, como é o caso do uso em rituais das espécies de Datura (a Rivea Corybosa já foi considerada, erroneamente, uma datura também, no caso por um botânico estadunidense em 1916).


Breves Considerações sobre a Ipomoea Violácea ou Tlitliltzen


Nas palavras de Gordon Wasson:


Em 1960 Don Totnis MacDougall publicou seu descobrimento de que em várias partes de Oaxaca, especialmente na área zapotéca, outra semente é usada exatamente como o ololiuhqui. Essa é a semente de uma segunda glória da manhã, Ipomoea Violácea L. Em zapoteco, o ololiuhqui é conhecido correntemente como badoh; a segunda semente é o badoh negro ou bagungas, o equivalente zapoteco do badoh negro. As sementes negras são alargadas e um pouco angulosas. Em nathuatl dificilmente poderiam ser chamadas de ololiuhqui, já que este termo significa as “coisas redondas” ou “bolinhas”.[2]


A Ipomoea Violacea[3] é uma planta trepadeira da família convolvuaceae, uma solanácea. Suas sementes contêm a triptamina Ergina, ou, LSA (amida de ácido d-lisérgico), substância próxima ao sintetizado LSD. Estas sementes foram chamadas na língua nathual de badoh negro, ou seja, primo próximo do “badoh” que seriam as sementes da Rivea Corymbosa, já os aztecas a conheciam como Tlitlitzin. Em arquivos da Inquisição foi encontrado o termo “ololiuhqui del moreno” de um escravo negro, que era curandeiro, para referir-se a elas.


Quem sintetizou o LSA pela primeira vez foi Albert Hofmann, o mesmo pesquisador suíço que sintetizou o LSD e em 1960 se tornou um marco tanto da ciência como dos contraculturalistas psicodélicos.


De tal forma estas substâncias “foram rechaçadas, que após a perseguição pelos cristãos, elas entraram em esquecimento pela cultura ocidental. Chegamos ao ponto de em 1915 o renomado botânico norteamericano William E. Safford ter negado que alguma vez houvessem “hongos”[4] sagrados no México. O único que se levantou contra ele foi Bas Pablo Reko, cidadão mexicano nascido na Áustria que afirmava que os “hongos” não só haviam existido como seu culto sobrevivia em locais quase desconhecidos em Oaxaca.


O tempo e incontáveis pesquisas, especialmente após a segunda guerra mundial, levaram a confirmação de que Reko estava certo. Apenas nos anos 50 os Wasson, marido e mulher, com ajuda de Roberto J. Weitlander começaram a conhecer estas culturas da centro-américa e estudar as “plantas dos deuses”. Em 1958 Abbie Hofmann já havia isolado os agentes ativos do Teonanáctl (na língua nahuatl Téo = deus; nanactl = comida) ou seu nome mazateco di-shi-tjo-le-rra-já que significa “hongo divino que nasce do esterco”.


Retornando ao badoh negro, é interessante falarmos do uso que se dava a tal semente. No seu consumo só utilizavam-se um número de sementes múltiplos de 13 e o badoh negro era conhecido como masculino, sendo considerado mais potente que o badoh. O badoh, ololiuhqui ou ainda hembra, era considerado feminino e era utilizado em múltiplos de 7, sendo as quantidades comuns de 14 a 21 sementes. Em sites como Erowid, entre outros, encontrei relatos de que as quantidades enteogenicas seriam de 20 a 30 sementes, e outras vezes a partir de 35 sementes (podendo ser de 2 a 3x mais que esta quantidade), sendo comum a extração do LSA e não a mastigação direta das sementes[5]. A posologia indicada por Antonio Escohotado em Historia General de las drogas, ou na versão Historia de las drogas II, é que para pessoas entre 50 e 70kgs a dose ativa mínima é de 0,5 miligramas, sendo a dose média de 2mg e as altas entre 4 e 5mg. Uma dose média considerada por ele é de 30 sementes de Turbina Corymbosa e uma alta entre 60 e 100 sementes de Ipomoea Violácea[6]. Sabemos que há uma grande variedade de LSA nas sementes, determinadas por muitos fatores. O EROWID disponibiliza mais de uma tabela para determinar a intensidade da dose, sendo a primeira a tabela abaixo[7].


Oral Ipomoea violacea Seed Dosages

Light

50 - 100 seeds

1.5 - 3 g

Common

100 - 250 seeds

3 - 6 g

Strong

250 - 400 seeds

6 - 10 g

Heavy

400 + seeds

10 + g


Uma medida de redução de danos para os aventureiros e psiconautas de plantão é iniciar por quantidades menores e experimentar antes uma quantidade bem pequena para ver se não há nenhum tipo de alergia a semente.


Ambas as sementes eram muito utilizadas para prática da adivinhação, além de ritos de iniciação e cura de enfermidades. Era comum o seu consumo para descobrir a doença que o enfermo possuía, encontrando esta num mundo invisível a consciência ordinária. O uso habitualmente era em locais totalmente distantes de qualquer barulho ou interferência, sendo um uso bastante isolado e não coletivo. Usavam as sementes normalmente o xamã e o enfermo, além de ser comum uma criança, virgem, fazer o preparo da liquido que seria tomado. De certo modo parece que tal uso pelo enfermo visava tanto servir como remédio, caso a cura fosse possível, em comunhão com as palavras e intervenções do xamã, assim como em casos de cura impossível servia como uma forma de resignação mais adequada que talvez não fosse possível sem o uso das sementes.


O próprio Antonio Escohotado, no livro das drogas, chega a sugerir:


Em minha opinião, a experiência com ergina pode apresentar o interesse de conhecer sua natureza peculiar mediante uma ou duas tomadas, observando-se as precauções (sobretudo o jejum) anteriormente expostas para quaisquer outras substâncias visionárias potentes. Podem ser especialmente úteis as administrações desta droga com finalidades de autodiagnóstico, em doses leves ou médicas.


Cuidados em relação ao uso


O consumo destas sementes deve ser cauteloso. Ela não deve ser ingerida junto com inibidores de monoamonoxidose (IMAO´s) ou fármacos que aumentem a serotonina ou evitem sua recaptação. Para maiores leituras indico um artigo bem pequeno: http://www.unieuro.edu.br/downloads_2005/farmacia/cenarium_02_09.pdf para maiores detalhes. Este cuidado pode evitar a síndrome serotoninérgica que pode conter vários sintomas como: confusão, desorientação, agitação, irritabilidade, coma, ansiedade, hipomania, letargia, convulsões, insônia, alucinações, tontura, mioclonus, hiperreflexia, rigidez muscular, tremor, ataxia, descoordenação, arrepio, nistagmo, sinal de Babinski (bilateral), hipertermia, diaforese, taquicardia sinusal, hipertensão, taquipnéia, dilatação de pupilas, pupilas não reativas, rubor facial, hipotensão, diarréia, câimbra abdominal, salivação.


O tratamento para a síndrome também pode ser encontrado no artigo. Ademais, ao se usar substâncias que levem em busca de uma excursão psíquica (para usar o termo escohotaiano) é sempre seguro estar com alguém que não tenha feito uso de enteógenos.


Timothy Leary sempre lembra da importância do cenário em relação ao consumo, podendo mudar radicalmente os rumos das “viagens”. Sendo este e o fator pessoal do usuário no momento do uso fatores tão importantes quanto a substância e quantidade ingerida. A partir disto, grandes estudiosos do tema procuraram mesmo produzir espécies de manuais de consumo, para gerar efeitos específicos, como a morte-renascimento. Um exemplo é o de Timothy Leary com sua versão do Manual Tibetano dos Mortos, mas, claro, isso é assunto para uma próxima conversa.

Referências:


ESCOHOTADO, Antonio. O livro das drogas. Dynamis Editorial. 1997. 271p

SCHULTES, Richard Evan. HOFMANN, Albert. RALSCH, Christian. La planta de los dioses: las fuerzas mágicas de las plantas alucinógenas. Fonde de Cultura Econômica. México. 2000.

SITE DO ANTONIO ESCOHOTADO

SITE DO EROWID

WASSON, R. Gordon. Notas del status presente del Ololiuhqui y los Otros Alucinógenos del México. De los boletins del Museo Botânico, Universidad de Harvard, Vol 20, No 6, 1963. pp.161-212.


[1] - Tradução tosca minha. Texto original em: La planta de los dioses de Richard Evan Schultes, Albert Hofmann e Cristian Ralsch.

[2] - Tradução minha do “Notas del status presente del Ololiuhqui y los outros alucinógenos del México. De los boletins del Museo Botânico, Universidad de Harvard, Vol 20, No 6, 1963. pp.161-212.

[3] - Também chamada de Ipomoea Tricolor. De acordo com Wasson, o termo Ipomoea Violácea é mais antigo e deve ser preferido ao sinônimo I.Tricolor.

[4] - http://64.233.163.132/search?q=cache:hvqOEG0tZrIJ:es.wikipedia.org/wiki/Fungi+hongos&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

[5] - Parece que esta pratica também era comum entre povos indígenas. (Cf. Wasson).

[6] - http://www.escohotado.com/historiageneraldelasdrogas/ergina.htm

[7] - http://www.erowid.org/plants/morning_glory/morning_glory_dose.shtml

8 comentários:

Potyweed disse...

Bacana demais. Depois vou mostrar seu post pra uma amiga que estuda convolvulaceaes. Mas tem um errinho solanaceae e convolvulaceae são famílias distintas portanto a ipomea não tem parentesco com as solanaceaes.
abç

Fernando Beserra disse...

Olá potyweed.

Este post já foi bastante revisto e estou fazendo este estudo. No momento ele já está bem maior e revi alguns erros como o que você expos.

Se sua amiga quiser trocar uma idéia sobre convolulaceas será um prazer, embora eu seja psicologo e meu conhecimento nesta área seja limitado.

Abç

Anônimo disse...

eU COM 120 SEMENTES FIQUEI NUMA ONDA FORTE, EU ACHEI FORTE ! RS E PESO 76 KG

Unknown disse...

Um rapaz fez uso dessa ipomea e nunca mais foi o mesmo, ficou deprimido e vem definhando drasticamente, acredito que houve uma perda de neuronios, ou não produz mais hormonios do prazer e da alegria. O mesmo foi ao psiquiatra e está tomando medicamentos, mas nada resolve, o que ele deve fazer?

Fernando Beserra disse...

Claudio,

É bastante estranho. Não há perda de neurônios, tampouco o término de produção de hormônios do prazer/alegria. Mesmo que tenha ocorrido um excesso de serotonina (5HT2A), que levasse a uma breve desregulação deste neurotransmissores, em poucos dias este cenário é normalizado. Não é tampouco um cenário comum no caso do uso de LSA.

O que pode ocorrer é que os psicodélicos ampliam a mente, inclusive parte do dinamismo mental inconsciente. Processos depressivos (ou alegrias e potenciias não vistos) podem emergir à consciência. Neste caso, precisam ser tratadas. Elas não são causadas pelo consumo da semente da planta. Tanto é assim que os usuários de psicodélicos não possuem maiores transtornos mentais que a população em geral.

O que ele deve fazer é algo que não posso afirmar a distância, sem analisar o caso. No caso dos psicodélicos é comum que o processo psicoterapêutico seja recomendado e os profissionais de saúde mental que atendem o caso devem avaliar as melhores estratégias para o caso.

Daniel Lo Bianco disse...

Olá Fernando, gostaria de saber como anda este estudo sobre as convolulaceas, alguma informação nova em relação a redução de danos para dosagens maiores como é preciso com algumas ipomoeas? E sobre os métodos de extração do lsa? Já li algumas coisas mas gostaria de mais..

Daniel Lo Bianco disse...

Olá Fernando, gostaria de saber como anda este estudo sobre as convolulaceas, alguma informação nova em relação a redução de danos para dosagens maiores como é preciso com algumas ipomoeas? E sobre os métodos de extração do lsa? Já li algumas coisas mas gostaria de mais..

Anônimo disse...

Ola! Tenho uma planta aqui e uns dizem ser ipomea e outros batata doce. Como saber se é ipomea e se tem o LSA?

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