quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Marcha da Maconha faz apologia ao crime ou sua proibição é que faz apologia ao autoritarismo?

Eloqüentíssimo texto de Julio Delmanto, nas vésperas da Marcha da Maconha de São Paulo. Diante da fascistocracia de Jair Bolsotário e outros que pregam a violência e a anti-democracia, é mais que mister, mas fundamental, o texto de Julio. Segue abaixo!


Julio Delmanto

Que as chamadas “drogas”, sejam legais ou ilegais, não têm vida própria e que seus efeitos dependem da forma como são usadas, sendo as políticas de drogas brasileiras as responsáveis pela violência do Estado e do crime já é um entendimento cada vez mais difundido.
Defender tais políticas é defender a manutenção do status-quo, é defender que um mercado com altíssima demanda não tenha qualquer regulamentação e seja controlado pelo crime, é dar ao Estado mais um instrumento de criminalização da pobreza, assassinato seletivo e corrupção, é acreditar na repressão e na mentira como ferramentas educativas e de saúde e aceitar o cínico discurso intervencionista estadunidense.
Defender a proibição das drogas é fazer apologia à violência.
É sobre isso que nós, militantes do que é chamado de movimento antiproibicionista, estamos acostumados a debater, é sobre isso que gostaríamos de conversar de maneira franca e séria com a sociedade brasileira, principalmente com aqueles interessados em provar na prática que um outro mundo de fato é possível.
Mas infelizmente enquanto o mundo discute alternativas às fracassadas políticas de drogas, no Brasil ainda lutamos para… poder debater o tema! O artigo 5º de nossa cada vez mais desmoralizada Constituição diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”; que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta”. Mais adiante, aponta também que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Também temos no documento supostamente mais importante de nossa República um ponto onde se diz que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” e outro que diz que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”.
Por que isso vale para os manifestantes neo-fascistas e homofóbicos que se reuniram recentemente debaixo do vão do MASP, sob proteção policial, para apoiar o nefasto Bolsonaro e não vale para a Marcha da Maconha, movimento que propõe exatamente discutir alternativas que retirem da ilegalidade uma conduta?
A Marcha da Maconha é um movimento anônimo ou o são policiais e juízes que interpretam a lei como bem entendem e nunca são chamados a se justificarem publicamente sobre isso? A Marcha da Maconha exime-se de obrigações legais ou usufrui da liberdade de manifestação do pensamento para propor a existência de outras leis? A Marcha da Maconha necessita de licença para exercer sua livre expressão?A Marcha da Maconha frustra outras reuniões? As “autoridades competentes” não são informadas ano após ano de sua realização? É uma organização paramilitar? Sob quais bases o poder judicário brasileiro proíbe a realização de uma manifestação pacífica em algumas regiões enquanto em outras ela acontece normalmente?
Diz-se que a Marcha faz “apologia às drogas”. Em primeiro lugar, não existe esse delito previsto em lei, e sim o de apologia ao crime, que é o disfarce utilizado pelo o conservadorismo preconceituoso e medieval dos nossos agentes da lei, fiscais dos corpos e ideias da população.
A apologia ao crime se caracteriza legalmente pela defesa pública de fato criminoso ou de autor de crime condenado pela Justiça. A Marcha da Maconha existe para defender a mudança da lei brasileira de drogas, isso é um fato criminoso? Fazem apologia ao crime órgãos de imprensa que debatem o tema? Políticos que se expressam publicamente propondo mudanças na lei? Acadêmicos, artistas, juristas e juízes que têm opiniões sobre a questão? Por que debater políticas de drogas é permitido na mídia, no parlamento e na academia e nas ruas não?
Ou é nosso poder Judiciário que faz apologia ao autoritarismo e ao totalitarismo? A situação encaixa claramente com o que aponta Norberto Bobbio, ao mostrar como o “autoritarismo é uma manifestação degenerativa da autoridade”, é “uma imposição da obediência e prescinde em grande parte do consenso dos súditos, oprimindo sua liberdade”. E também infelizmente flerta com o que traz Hannah Arendt ao afirmar que o totalitarismo “não substitui um conjunto de leis por outro, não estabelece o seu próprio consensus iuris, não cria, através de uma revolução, uma nova forma de legalidade”; a política totalitária simplesmente busca, através da ideologia e do terror, suprimir a diferença até que a lei não seja necessária, até que a liberdade não seja nem mais pensada como tal.
Nossas ruas pertencem à Polícia e ao Judiciário ou ao povo? Pensar, dialogar, atuar, manifestar, botar a cara à tapa, são atitudes criminosas?
Se sim, senhores juízes, não tragam viaturas, tragam ônibus, porque muita gente estará no MASP no dia 21 de maio, esperando pacificamente mais uma aula pública de violação da Constituição e da Democracia.

Júlio Delmanto é jornalista, mestrando em História Social na USP, membro dos coletivos antiproibicionistas Desentorpecendo a Razão (DAR) e Marcha da Maconha

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